Ante à alta imprevista e desenfreada do Índice Geral de Preços – Mercados (IGP-M) e ausência de uso integral da locação comercial muitas vezes por conta de restrições, diminuição da capacidade de pagamento pelas empresas, bem como devido à perda de renda das famílias para pagamento da locação residencial, é de suma importância a renegociação dos contratos de locação vigentes no país, firmados ou renovados, durante o início da pandemia até o momento de estabilização do IGP-M ou disponibilização de novo índice para reajuste1 dos aluguéis, cabendo a observação das condições do locador e locatário caso a caso.
Assim, algumas medidas em relação ao reajuste dos aluguéis estão sendo tomadas pelo Poder Legislativo para tentar equalizar as obrigações contratuais assumidas, no intuito de possibilitar a manutenção dos contratos, observando a crise gerada pelo coronavírus, conforme serão citadas ao longo do artigo.
Em se tratando de locação, a Lei de Locação 8.245/1991 garante aos proprietários de imóveis o direito à realização de reajustes periódicos, para preservar o poder de compra da negociação, contudo, inexiste determinação de indicador de reajuste econômico específico.
O IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado) é aplicado como praxe nos contratos de locação comercial e residencial firmados no Brasil, não como regra, sendo este a referência para o reajuste dos aluguéis.
O IGP-M subiu 4,40% em maio, conforme relatado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE)2 A variação acumulou alta de 14,39% no ano de 2021 e de 37,04% nos últimos 12 meses, ou seja, o índice acumula alta que pode ser considerada desenfreada.
O referido índice registra a inflação de preços como matérias-primas agrícolas e industriais até bens e serviços, sendo composto pelo IPA-M (Índice de Preços por Atacado – Mercado) – peso 60%, IPC-M (Índice de Preços ao Consumidor – Mercado) – peso 30% e INCC-M (Índice Nacional do Custo da Construção – Mercado) – peso 10%.
Entre janeiro e dezembro de 2020, o índice acumulou alta de 23,14%, ou seja, considerando-se o início da pandemia até os dias atuais, o índice escalonou desenfreadamente em função da alta dos itens supracitados, especialmente em função da alta do dólar e de commodities, o que, consequentemente, eleva o custo da construção civil, de insumos e repasse ao consumidor final.
Nessa perspectiva, observa-se também que o efeito da pandemia retraiu o PIB mundial, haja vista as restrições de circulação, paralisação de determinadas produções e atraso no transporte de insumos essenciais. De forma prática, o que aconteceu é que a demanda por parte dos consumidores continuou alta, e em paralelo, as companhias continuaram a utilizar os insumos essenciais. Contudo, a produção em si teve uma baixa escalonada, acarretando um distanciamento entre a oferta e demanda, impossibilitando a supressão da necessidade dos compradores e, consequentemente, ocasionou uma alta exponencial no preço das commodities.
Somando-se a isso, a alta emissão de dívida pelos Bancos Centrais da maioria dos países, como o caso do Brasil, faz com que o risco-país aumente proporcionalmente, acarretando a desvalorização da moeda local. Neste aspecto, no Brasil, somado aos riscos internos (político, administrativo e fiscal), a moeda brasileira (Real) até março acumulou a 3ª pior posição de desempenho entre os países emergentes com relação ao dólar3, o que desvaloriza a capacidade de compra no mercado internacional e propicia alta de preços no geral. Assim, até abril de 2021, o dólar saltou 6,3%, o que deixa o real na terceira pior posição entre 33 pares do dólar, à frente apenas do peso argentino e lira turca.
Portanto, a tendência é que o IGP-M continue mantendo a sua alta no curto e médio prazo4, conforme as projeções de diversas instituições e opinião de economistas. Segundo projeção da ANBIMA o IGP-M do mês de maio deveria ter ficado na casa dos 3,53%5, contudo, como vimos, a alta ultrapassou tal expectativa.
Por isso, considerando a alta imprevista do índice e possível manutenção desta, é imprescindível a renegociação dos contratos de locação, observando as condições do locador e locatário em cada caso.
Nesse sentido, observando que o índice de reajuste dos aluguéis em 2021 continuará em forte alta, foram apresentados ao Congresso Nacional o PL 631/20216 e o PL 962/20217, os quais tramitam de forma apensada, por ambos terem como objeto o reajuste dos aluguéis.
O PL 631/2021 prevê a suspensão até dezembro de 2022 do reajuste de contratos de aluguéis, em qualquer modalidade, residencial, comercial e não residencial. Já o PL 962/2021 prevê que contratos de locação residencial com valor de até R$ 3.000,00 (três mil reais), no ano de 2021, não poderão ser reajustados por valor acima da variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), mais conhecido como índice da inflação, assim como, os contratos de locação comercial de microempreendedores individuais (MEI) com valor de até R$ 3.000,00 (três mil reais), devem pautar-se pela mesma premissa.
Ademais, no dia 13/05/2021 foi também apresentado ao Congresso Nacional o PL 1806/2021, o qual prevê uma alteração na Lei de Locação, determinando que o reajuste das locações não poderá ser superior ao IPCA.
Ou seja, vemos uma preocupação do Legislativo em frear os reajustes exacerbados com a criação de dispositivo legal que imponha tal fato. Entretanto, as consequências econômicas drásticas decorrentes dos projetos podem acabar por inviabilizar tal iniciativa, em que pese os reajustes necessitem de algum equalizador.
Em outra ponta, o Tribunal de Justiça de São Paulo desenvolveu um projeto piloto de mediação empresarial pré-processual para empresas impactadas pela pandemia do covid-19, oferecendo duas opções de mediação para questões empresariais, uma voltada para demandas de competência das varas de Direito Empresarial e outra para demandas da área de Falências e Recuperações Judiciais, com base nos provimentos CG 11/2020 e 19/2020 do TJ/SP, englobando os litígios que versam acerca da locação comercial.
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Ademais, o Poder Judiciário tem decidido sobre questões de suspensão e reajustes de aluguéis desde o início da pandemia, sem sedimentação de jurisprudência pacífica, haja vista que há de ser observada a situação econômica das partes, gozo do bem e especificidades do contrato em que se inserem as partes para fins de equilíbrio contratual analisada caso a caso.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo vem concedendo a diversos locatários a possibilidade de utilização do IPCA ao invés do IGP-M enquanto perdurar o período excepcional causado pela pandemia. Assim é o caso do julgamento do agravo de instrumento 2297205-16.2020.8.26.0000.
Em caso similar, a 31ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP concedeu a redução temporária de 50% no aluguel a uma grande rede do varejo localizada em Taquaritinga/SP, decorrente do julgamento do agravo de instrumento 2106713-67.2020.8.26.000, face à pandemia do coronavírus.
Logo, observando-se o cenário caótico vivido, é imprescindível a revisão integral dos termos de reajuste definidos nos contratos de locação, possibilitando também eventual redução ou carência de pagamento, pois sem as citadas alterações, ambas as partes, Locador e Locatário podem prejudicar-se brutalmente. Senão vejamos algumas situações fatídicas: No caso de uma locação residencial, uma família que possui determinada renda, acaba perdendo suas fontes de proventos, o que impossibilita o reajuste do aluguel de forma expressiva ou até mesmo o pagamento de qualquer valor, contudo, precisam da moradia para sua subsistência digna;
Ainda na locação residencial, o locador pode por sua vez ter perdido parte de sua fonte de renda, restando apenas os aluguéis provenientes da locação. Em caso de suspensão, esse com certeza não subsistirá,
Em outro ponto, na locação comercial (espaço convencional), o comerciante/lojista teve por um bom tempo sua atividade suspensa em razão das medidas de lockdown, sem utilizar do espaço comercial e não conseguiu auferir receita para pagamento de sua operação, o que consequentemente, reflete diretamente no pagamento do aluguel. Em caso de reajuste pelo IGP-M, esse com certeza irá ter sérios problemas financeiros, o que pode acarretar falência;
Além disso, na locação comercial envolvendo lajes corporativas, galpões logísticos e lojas em shoppings, o proprietário do empreendimento (investidores, fundos de investimento e shoppings) muitas vezes irá exigir o cumprimento do reajuste previsto em contrato, pois sua atividade está atrelada ao alto rendimento, observando ainda que as empresas que locam imóveis deste tipo precisam atrelar o risco do índice de reajuste quando o contrato é firmado ou renovado, entretanto, tal cumprimento pode inviabilizar a atividade do locatário, o que acarretará em uma maior taxa de vacância ou inadimplência e, consequente baixo rendimento posterior do administrador.
Conclui-se que na maior parte dos cenários, ambas as partes (locador ou locatário) prejudicam-se com o reajuste desenfreado, restando necessário que busquem por resoluções extrajudiciais ou judiciais, através de assessoria especializada, para que seja aplicado um eventual reajuste contratual proporcional ao uso do bem, com a devida alteração do índice de reajuste previsto no contrato, recomendando-se a aplicação em geral do IPCA, protegendo a integridade financeira e operacional de ambas as partes e evitando-se a quebra contratual entre os interessados.
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