Escritórios de advocacia têm seguido o caminho de grandes corporações e incorporado a agenda ESG (práticas ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês) no dia a dia da prestação de serviços jurídicos. O movimento vem ganhando força por meio de iniciativas voluntárias e demandas de clientes, especialmente de companhias abertas e de tecnologia estrangeiras.
Em bancas de maior porte, a implementação vem por meio de políticas internas estruturadas nos três eixos. Nas boutiques – escritórios de menor porte especializados em determinadas áreas -, há ações com foco em alguns dos pilares. Prestação gratuita de serviços jurídicos (pro bono) e diversidade e inclusão são algumas das mais difundidas.
Antes de passar a oferecer, em 2020, assessoramento jurídico na prática ESG para empresas e investidores, o Mattos Filho, um dos maiores do país, arrumou a casa. Os sócios queriam se certificar que a banca estava comprometida com ações de sustentabilidade corporativa. “Para não ser hipócrita ao vender o serviço para os clientes”, diz a advogada Marina Procknor, sócia da área de ESG.
Às ações antigas, como pro bono e maior equidade de gênero, foram juntadas novas, como a assinatura do compromisso de zerar as emissões de carbono até 2050. A rotina dos profissionais de seis viagens por ano a Nova York e ponte área Rio-São Paulo para reuniões de uma hora está com os dias contados.
Um dos trabalhos da equipe da advogada Laura Mattar, gerente de Cidadania Corporativa da banca, é preencher formulários ESG exigidos por clientes, especialmente antes da contratação. “Buscam saber, por exemplo, quem
promovemos e quem desligamos, número de mulheres e homens na base e no topo”, afirma. “É contar sobre nossa cadeia de valor. Uma coisa puxa a outra”, acrescenta.
Amir Bocayuva, sócio-gerente do BMA – outra grande banca brasileira – diz que a onda ESG chegou no mercado jurídico por demanda dos clientes. Não como prérequisito para a contratação, mas para conhecer melhor o fornecedor. “Trabalhamos com um serviço de alto valor agregado que lida com informações sensíveis dos
clientes”, afirma.
Embora haja competição por clientes e talentos, Bocayuva lembra que existe união de forças entre as grandes bancas em algumas agendas, como a da inclusão de profissionais negros no mercado jurídico. Há pelo menos dois projetos que reúnem os maiores escritórios de São Paulo para atração desses profissionais. O BMA tem nove estagiários e três contratados do Projeto Incluir Direito.
Flexibilização do inglês e de alunos de universidades de primeira linha foram algumas das medidas adotadas pelo Trench Rossi Watanabe para compor a equipe de forma mais diversa. “Em um escritório de advocacia a criatividade é essencial. Tem que pensar fora da caixa.
Com pessoas diferentes, a chance é maior de chegar num resultado diferente”, diz Letícia Ribeiro, sócia e uma das líderes do comitê de diversidade do escritório – que já conta com maioria feminina em cargos de liderança.
Com foco em prevenção e solução de litígios complexos, o MAMG Advogados foi fundado, há um ano, por sócios e advogados egressos de um escritório tradicional de São Paulo. Queriam incorporar o ESG no dia a dia. A gestão é horizontal e descentralizada. Advogados e equipe administrativa se dividem em nove forças-tarefa com autonomia para decidir, inclusive, sobre contratações.
“A ideia foi quebrar paradigmas de como se lida com pessoas em um escritório de advocacia. Não adianta pagar bônus e dar estrelinhas para quem ganha casos. É preciso fomentar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional”, afirma Carolina Allodi de Andrade, coordenadora de relações institucionais da banca, que conta com pouco mais de 60 profissionais e uma regra do silêncio.
Das oito da noite às nove da manhã, só mensagens urgentes.
A banca já assinou alguns compromissos públicos, entre eles o “Green Pledge” (Compromisso Verde), voltado para minimizar impactos ambientais em arbitragens. O efeito prático da adesão foi sentido neste mês, quando recusou pedido de uma câmara de arbitragem internacional para enviar mais de mil páginas de 80 documentos a três árbitros situados na Espanha, Suíça e Reino Unido.
Explicaram que os documentos já foram enviados por link da internet e que não achavam necessário imprimir essa quantidade de papel para cruzar o Atlântico por avião ou navio.
“É fácil assinar. Difícil é honrar o compromisso”, diz a advogada Patrícia Albuquerque Pimentel, integrante do Comitê da América Latina e Caribe da Greener Pledge. “O que faz a diferença é a vontade de todos de continuar com os compromissos, de fazer acontecer no dia a dia.”
Para o advogado Yun Ki Lee, sócio do LBCA Advogados – que atua em várias áreas do Direito -, o desafio dos escritórios de advocacia é saber como contribuir mais para minimizar impactos no meio ambiente. “O paper less [menos papel] não é suficiente”, afirma.
Em 2020, o escritório, que tem uma equipe de 600 pessoas, mudou a sede para um edifício inteligente (smart building) em São Paulo, que otimiza recursos, com o uso de luz led com sensor e madeira com certificação.
Pode parecer contraditório para um escritório de advocacia. Mas de olho nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, o LBCA tem atuado com clientes para diminuir a quantidade de ações judiciais, por meio de trabalho com dados e metadados, que ajuda a identificar médias de condenação e elementos que causam reclamações de consumidores e fornecedores.
“Você será substituído se não conseguir reduzir volume. ESG é o prolongamento do bom negócio”, diz Lee.
Com menos de um ano de existência, o escritório BZCP, especializado em venture capital e fusões e aquisições, nasceu com um pé no social. Incorporou no estatuto a doação de 1% do lucro a ações de fomento não governamentais. Era um acordo entre os sócios antes mesmo de formalizado o CNPJ. No fim do ano passado, também doaram para 12 empresas de impacto social cerca de R$ 100 mil que seriam gastos em brindes para clientes e parceiros.
“Claro que as pessoas gostariam de ganhar o moletom do escritório com mochila e cooler. Mas a gente não muda a sociedade em nada com isso”, afirma o advogado Sergio Bronstein, sócio da banca, que conta com cerca de 60 profissionais e assessora startups em rodadas de investimento.