Desde sua promulgação, o Novo Código de Processo Civil teve como principal objetivo tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere, tendo por primeira etapa a identificação das causas que estavam impedindo a referida celeridade e, como segunda etapa, a busca democrática das soluções.
Uma das inovações do NCPC é o denominado “Negócio Jurídico Processual Atípico”, previsto nos artigos 190 e 191, anteriormente previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que nada mais é do que um acordo celebrado entre as partes, onde poderão estipular mudanças no procedimento e elaborar um calendário processual para os atos futuros dentro daquele processo, fato este que facilitou, e muito, a cooperação entre as partes e o Judiciário.
O grande impasse, aqui, está no parágrafo único do artigo 190, que possibilitou ao magistrado a recusa da aplicação do negócio celebrado entre as partes, nos casos em que houver nulidade ou cláusula abusiva em contrato de adesão ou, ainda, nos casos em que a parte esteja em manifesta vulnerabilidade.
Como todos sabemos, o consumidor é considerado a parte vulnerável em uma relação de consumo, isso porque o fornecedor tem uma força maior presumida no sentido econômico, técnico, fático e de informação. Em uma leitura restrita do parágrafo único do artigo 190, em um primeiro momento chegaríamos à conclusão da impossibilidade de celebração do negócio jurídico atípico nas relações de consumo.
No entanto, temos alguns pontos essenciais para considerar, sendo um deles o princípio Pacta Sunt Servanda – “contrato faz lei entre as partes”- parte do princípio da autonomia privada e liberdade de contratar – e, ainda, a Lei 13.874 de 20 de setembro de 2019, referente à liberdade econômica e intervenção mínima do Estado nas relações entre particulares.
Mas será que a recusa de um negócio jurídico atípico celebrado entre as partes violaria a Pacta Sunt Servanda e a liberdade de contratar?
Há um bom tempo esse princípio vem sendo relativizado, uma vez que temos o princípio da onerosidade excessiva, que pode vir a ser aplicado quando o consumidor é considerado a parte vulnerável, gerando, por consequência a relativização do princípio da Pacta Sunt Servanda, quando restar constatado um desequilíbrio contratual, isto é, um ônus excessivo para apenas uma das partes.
Na situação acima mencionada, o Estado poderá intervir na liberdade de contratar do consumidor, anulando no todo ou em parte o negócio jurídico celebrado entre as partes. O fato é, o parágrafo único do artigo 190 gerou divergências doutrinárias sobre a aplicabilidade nas relações de consumo, em que pese o Enunciado 18 ter direcionado como o acordo de procedimento celebrado na ausência de um advogado, como sendo um mero indício de que há vulnerabilidade, ou seja, permanece aberta essa questão, a depender de comprovação do desequilíbrio negocial que leve ao ônus excessivo a uma das partes.
O renomado jurista Flávio Tartuce defende em um artigo ser inviável a aplicabilidade do referido instituto nos contratos consumeristas, tendo em vista a parte final do parágrafo único do art. 190 do Código de Processo Civil.
Em contraponto, o magistrado Fernando da Fonseca Gajardoni aduz ser perfeitamente possível a aplicabilidade dos negócios jurídicos processuais atípicos nas relações de consumo, entendendo que a vulnerabilidade prevista no artigo 190, não é suficiente para afastar a sua aplicação, entendimento embasado nos requisitos de validade dos negócios jurídicos processuais atípicos.
Em continuidade, o jurista entende que mesmo a vulnerabilidade prevista no Código de Defesa do Consumidor, não é absoluta, sendo limitada pela autonomia da vontade das partes, e o artigo 190 deixou claro o fato de “manifesta situação de vulnerabilidade”. Ainda, fundamentou na possibilidade de eleição de foro nos contratos de consumo, não tendo ninguém suscitado a nulidade da referida cláusula.
Como um terceiro entendimento, Cláudia Lima Marques e Luis Alberto Reichelt, no livro “Diálogo entre o direito do consumidor e o NCPC”, explicam que o artigo 190, deixou vaga a questão da vulnerabilidade, em seu parágrafo único. Isso porque, é necessário interpretar esse conceito de uma maneira ampla, a qual dependerá de uma leitura voltada na concretização dos direitos fundamentais, processuais, em especial considerando as condições das relações jurídicas subjacentes ao negócio jurídico atípico.
Conforme denota-se acima, é possível verificar que há uma divergência doutrinária no que diz respeito a aplicabilidade dos negócios jurídicos processuais atípicos nas relações de consumo, porque o artigo 190 do Código de Processo Civil, em seu parágrafo único deixou vaga a questão da impossibilidade de aplicação com relação às partes vulneráveis, dando margem a diversas interpretações.
Em conclusão, pode haver Negócio Jurídico Processual Atípico mesmo que uma das partes não esteja assistida por um advogado, presumindo-se o equilíbrio processual, o qual pode ser relativizado quando os indícios de onerosidade excessiva para alguma das partes forem comprovados no processo.