Neste início de novembro, o grupo de pesquisa Capitalismo Humanista e Direito Quântico invade Paris para participar de um encontro acadêmico internacional, a IMODEV-2023 (Improving Public Policies in a Digital World), na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne para as 8ª Jornadas Acadêmicas de Governo Aberto e Desafios Digitais, que vêm sendo realizadas desde 2017, com uma dimensão multidisciplinar.
O grupo brasileiro conta com 25 palestrantes, um recorde para evidenciar a importância das pesquisas brasileiras sobre as novas teorias do Direito.
A trajetória do Capitalismo Humanista começa em 2011, com a primeira edição de “O Capitalismo Humanista – Filosofia Humanista de Direito Econômico”, dos Professores Ricardo Sayeg e Wagner Balera e em seu prefácio, os autores já explicam a aparente antítese da teoria – o capitalismo não poderia ser humanista. Para tanto, buscaram pensadores para consolidar as implicações éticas que justificam o capitalismo a ter uma finalidade humanista.
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Uma das definições mais assertivas sobre o Capitalismo humanista, incluindo um dos autores, é ser.
“A Dimensão Econômica dos Direitos Humanos, uma vez que trata-se de tese jurídica que propõem alterações ao regime capitalista, objetivando mudanças de paradigma sociais.
Culturais e jurídicos, atrelando de forma indelével o referido regime econômico à consecução da dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos, em inclusão social econômica plena, construindo-se a pedra basilar econômica, a dimensão econômica da concretização da Sociedade Fraterna, prevista no preâmbulo constitucional, por sua vez dimensão do princípio da fraternidade”.1
Em síntese, o Capitalismo Humanista discute a questão de sustentabilidade, elemento presente nos critérios ESG (melhores práticas ambientais sociais e d governança), tanto que na introdução do livro.
“Capitalismo Humanista” já surge com essa preocupação ” O regime capitalista e a economia e mercado são realmente necessários, eficientes e recomendáveis, mas não há como desconsiderar suas principais implicações negativas, consubstanciadas no esgotamento planetário e na exclusão do circuito econômico, político social e cultual de parcela substancial da humanidade, chegando ao ponto crítico de colocá-la à mercê do flagelo da fome, da miséria e da subjugação, ambos inaceitáveis“.2
A proximidade do Capitalismo Humanista com o ESG está no fato que ambas as teorias querem mudar culturas, que as organizações impactem positivamente o planeta, para investidores que olhem além do mercado e retorno dos lucros, mesmo em tempos de incertezas geopolíticas e conflitos bélicos. O ESG fomentou o capitalismo dos stakeholders (das partes interessadas) e dos compromissos reais de combate à crise climática, à injustiça social e a uma governança desprovida de transparência e ética.
As vulnerabilidades das questões sociais levaram a uma busca por uma abordagem mais holística, com fundamentações éticas, para o mundo corporativo, que não pode ignorar a necessidade de prover sua contribuição de forma consistente, mensurando riscos e contribuições que possam contribuir com o bem-estar de todos.
Sayeg e Balera lembram em seu livro do economista Jeffrey Sachs, que foi um dos formulados junto à ONU das ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio), substituídos pelos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), presentes na Agenda 2030.
O Capitalismo Humanista ainda se une ao conceito do Direito Quântico, retomado e expandido pela inquietude de Sayeg e Balera, projetando o conceito da física quântica, matemática e biologia no ecossistema jurídico, que empreguei minha tese de Mestrado para discutir a inclusão do homem digital.
Essas múltiplas dimensões abrangidas pelo Capitalismo Humanista e o Direito Quântico estão ligadas também ao sujeito complexo, de Edgard Morin. Para ele, “a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico”.3
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De acordo com Morin, o homo complexus é essencialmente singular e apresenta três dimensões: lógica, ontológica e ética. Esta última nos interessa mais porque envolve os valores compartilhados pelo Capitalismo Humanista, uma identidade humanitária e consciência planetária. Esse complexo indivíduo-sujeito biológico, psicológico e social vive em constante conexão, em um constante vai-e-vem em um mundo onde os saberes são interdisciplinares, transdisciplinaridades e multidisciplinaridades.
A consolidação do Capitalismo Humanista fica evidenciada pela criação do Grupo de Pesquisa Capitalismo Humanista e Direito Quântico na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com apoio da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Os grupos de pesquisa são considerados essenciais para o desenvolvimento da pesquisa em redes no ecossistema acadêmico, pelo seu aspecto prático na produção de conhecimento e epistemologia e por servir de apoio a todos os cientistas. Também amplia a evolução de novos conceitos, permitindo aos pesquisadores compartilharem dados, resultados e interesses que envolvem o tema, dentro e fora do país.
Um exemplo é o tema que levo para IMODEV deste ano em Paris: “Desafios e Soluções para a Exclusão Digital no Contexto do Avanço Tecnológico: em Direção a Uma Sociedade Digital Inclusiva e Fraterna”.
Neste trabalho há uma preocupação em explorar a interdependência dos critérios ESG com a dimensão digital, como sendo um aspecto fundamental para a construção de um futuro sustentável e inclusivo para o planeta. Ao aplicar a teoria do Direto Quântico enfatizo a coexistência e interdependência dos fatores físico, social e digital do ser humano.
1 SAYEG, Ricardo Hasson; Luciane Sabatine NEVES: Rodrigo Campos Hasson SAYEG. Uma Análise sobre Aspectos do Capitalismo Humanista a Dimensão Econômica da Sociedade Fraterna – Pontos em que altera o Regime Capitalista e sua Melhor Veiculação para atingir tais Finalidade. Revista Jurídica Unicuritiba. Curitiba.V.4, n.71 p. 23 – 47. Disponível em https://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/issue/view/246.
2 SAYEG, Ricardo; Balera, Wagner. O Capitalismo Humanista – Filosofia Humanista de Direito Econômico. São Paulo:KBR, 2011
3 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2006.
Fabio Rivelli – Mestre em Direito pela PUC-SP; MBA pelo INSPER; sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA); Presidente Comissão Inovação OAB-SP Guarulhos; Pesquisador PUC-SP.