Judiciário deu passo significativo para se alinhar aos Sustainable Development Goals da Agenda 2030 da ONU
O ampliar do acesso à justiça[i] já era uma inquietude, mesmo antes do agudo senso de urgência trazido pela pandemia da Covid-19, em um anseio por um novo modelo de gestão a viabilizar uma prestação jurisdicional mais efetiva e célere, mas que, também, se voltasse ao bem da sociedade e do planeta. Tais como os setores privados e públicos, o Judiciário vem sendo desafiado a praticar uma agenda cada vez mais sustentável.
Nessa direção, um significativo passo foi dado pelo Judiciário brasileiro para se alinhar aos Sustainable Development Goals da Agenda 2030 da ONU, aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (SDG/ODS). Dentre eles, destaca-se o SDG/ODS 16[ii] de promover e assegurar a todos, acesso igualitário à justiça dentro do Estado de Direito, em modo interconectado com os demais objetivos e em linha com esse elementar direito reconhecido no art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH).[iii]
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)[iv] firmaram parceria e criaram o índice de acesso à justiça, levando em consideração o capital humano (dinâmica demográfica) e o capital institucional (estrutura da justiça), procurando equilibrar a inclusão e a eficiência em um país com mais de 77,1 milhões de processos em trâmite, em dezembro de 2019.[v]
Ao bem abraçar em suas metas e gestão os compromissos de assegurar acesso efetivo e igualitário à justiça, assim como buscar duração razoável dos processos, o Judiciário brasileiro vem a caminhar formal e materialmente dentro das boas práticas ambientais, sociais e de governança (em inglês, Environmental, Social and Governance). Um grande alento, pois, será essa mesma justiça, em transformação positiva, que irá receber e julgar as inevitáveis demandas a envolver os fatores ESG.
É o que se viu neste ano, de forma paradigmática, na decisão de uma corte holandesa que determinou que uma empresa cumprisse o Acordo Climático de Paris (2015) e reduzisse as emissões de dióxido de carbono em pelo menos 45% até 2030, em relação aos níveis de 2019.[vi] Ainda que sujeita a recurso e restrita à jurisdição holandesa, essa decisão judicial vem sendo retratada como uma daquelas lutas entre Davi e Golias, à medida que a ação foi movida por uma ONG, representando 17 mil cidadãos holandeses, contra uma gigante transnacional de petróleo e gás.
Volvendo à nossa realidade, a justiça brasileira é acometida pelos males de alto volume de processos, custo elevado e morosidade. Um ciclo vicioso em que um mal retroalimenta outro e vice-versa. Em 2019, foram mais de 30 milhões de novas ações judiciais ajuizadas[vii], cujo custo unitário alcançou, também em média, R$ 458 na seara estadual e R$ 675 na federal[viii] (valores maiores que do auxílio emergencial concedido à população mais carente para sobreviver nessa fase de pandemia da Covid-19). Não somente, mas a morosidade é reflexo do grande arsenal de recursos, incidentes e multiplicidade de ações disponíveis em uma só contenda. Some-se, ainda, a crescente insatisfação das partes em litígio, e também daqueles indiretamente atingidos, quanto ao teor final da decisão. O simples multiplicar dos números evidencia aquilo que aos olhos salta: o colapso ou, ao menos, sua iminência.
De se ver que três são as raízes maiores que estão a comprometer a sustentabilidade da justiça brasileira e a afastá-la mais e mais do SDG/ODS 16, notadamente destacadas no pacto firmado com o PNUD: acesso, morosidade e efetividade do resultado.
O bom combate a uma dessas causas do mal, a excessiva quantidade de processos, já se iniciou com os meios alternativos de resolução de conflitos. O gráfico abaixo denota os esforços nesse sentido, como se vê pelo crescimento do número de centros judiciários de resolução de conflitos na esfera estadual, mais do que quadruplicado em 5 anos:
E para que se logre sucesso, é preciso um crescimento vertiginoso de casos submetidos a soluções alternativas ao Judiciário. No entanto, passados mais de cinco anos da promulgação da Lei 13.140/2015, que trata da mediação como meio de solução de controvérsias, percebe-se que esta máxima de solução futura, ainda, insiste em soar como mera retórica, e não como valioso instrumento de busca da sustentabilidade. Isto se deve ao fato dessa modalidade ainda ser vista com desconfiança por boa parte dos operadores do Direito e dos jurisdicionados em geral, que, desafortunadamente, creem que solução de conflitos só vem com o percorrer da longa e tortuosa estrada judicial.
Com o eclodir da pandemia da Covid-19 e sua persistência, não só na vida privada, mas também nas relações jurídicas afetadas, emergiu um forte senso de urgência. Com a paralisação dos prazos processuais, a perspectiva era um tanto sombria, se se recordarmos que, desde o primeiro mês de pandemia em 2020, houve um aumento significativo dos números de contratos suspensos, rescindidos etc., sem falar nos incontáveis negócios desfeitos, dívidas contraídas e tantas outras não adimplidas.
Neste sentido, é poder-dever dos operadores do Direito de exorcizarem tabus e disseminarem na sociedade os aspectos contundentes e positivos da mediação e dos meios tecnológicos empregados, fazendo com que esta modalidade se torne, de igual modo, parte do tão conclamado “novo normal” para resolução de controvérsias, evitando-se, sobretudo, mais inchaço do nosso sistema judiciário e, quiçá, viabilizar um desafogo.
Infelizmente, a cultura de resolução de conflitos ainda se encontra enraizada na pior ideia de barganha, na qual quase sempre um dos polos da relação transacional sai insatisfeito com o resultado.
Em vista disso, dentre as inúmeras adaptações que a pandemia tem posto – seja do ponto de vista social, patrimonial ou econômico – pode-se assumir que tal deletéria cultura, certamente, terá de dar espaço ao espírito colaborativo e recíproco na seara processual e pré-processual.
Pois é exatamente aqui que os operadores do Direito entram!
Não basta apenas empregar as melhores técnicas de mediação. É de suma importância, também, que os operadores do Direito envidem máximos esforços para esclarecer aos litigantes as possibilidades, consequências e riscos, dando ênfase à tecnologia, à comunicação e ao mínimo entendimento, sem desprezar, é claro, a autonomia das vontades. Aliada a essas ações positivas, mais do que nunca, é preciso desmistificar a utilização de ferramentas de apoio, como as plataformas digitais de mediação e conciliação, além do uso dos demais meios tecnológicos. Também, as câmaras privadas de mediação e conciliação, tal como as públicas, devem ser ainda mais destacadas, prestigiadas e utilizadas.
As audiências virtuais, ainda que de forma um tanto forçada pela pandemia, já servem para balizar o expressivo ganho de tempo e de retrabalho evitado ao liberar os operadores do Direito e os litigantes para, juntamente, decidirem o melhor caminho a percorrer.
O significativo decrescer da quantidade de processos servirá de alicerce no combate a outros males que acometem a nossa justiça – o elevado custo e a morosidade –, quer seja pela racionalização do sistema, quer seja pelo aumento de eficiência. Com efeito, trará uma adequação e qualidade ainda maiores das decisões às circunstâncias fáticas e jurídicas das causas postas em juízo, que, somados, melhorarão o acesso à justiça em sua amplitude e qualidade e a decisão judicial em sua legitimidade e conformação.
A busca do SDG/ODS 16, a fim de se atingir a sustentabilidade da justiça brasileira, passa inegavelmente pelo resgate e firmamento das soluções alternativas de disputas, notadamente, mediação, conciliação e autocomposição. A persistir o status corrente das lides desembocarem na esfera judicial, ter-se-á a inviabilização do pacto firmado pela justiça brasileira com o PNUD de implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU.
A mediação, assim como a conciliação e autocomposição, tem papel fundamental nesse sentido, sendo necessário fazer germinar nos seios privado e público de forma ampla e geral essa cultura de pacificação moderna, ágil e satisfativa. Muito além de meras chancelas do “ganha e perde”, é preciso concentrar os intentos na simplificação e funcionalidade da mediação para promover a aproximação entre causídicos, litigantes e justiça, com o uso das melhores ferramentas tecnológicas e romper com o espectro da complexidade, a fim de que a mediação seja, de forma indelével, um dos caminhos sustentáveis para a justiça brasileira.
[i] No Brasil, o princípio do amplo acesso à justiça encontra-se garantido no art. 5, XXXV, da CF/1988.
Sobre a validade e aplicabilidade desse e de todos demais direitos humanos dispostos na DUDH, bem como dos tratados internacionais que Brasil seja parte, conferir o art. 5º, §§ 2º e 3º, da CF/1988.
[v] Em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB_V2_SUMARIO_EXECUTIVO_CNJ_JN2020.pdf, acessado em 20/08/2021
[vi] Dentre outras, ver notícia veiculada.
[vii] Em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB_V2_SUMARIO_EXECUTIVO_CNJ_JN2020.pdf, acessado em 20/08/2021.
[viii] Disponível em https://super.abril.com.br/sociedade/a-insustentavel-lerdeza-do-nosso-judiciario/.