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Escritórios de advocacia investem na diversidade para atrair clientes

Alexandre Moss, 48 anos, advogado. Está por se formar em administração pública pela Fundação Getulio Vargas. Tem um bom currículo. Mas não fala só sobre a carreira nas entrevistas de emprego das quais participa. Ele se vê obrigado, sempre, a expor a intimidade. Durante a conversa, sem muito rodeio, dispara: “haveria algum problema por eu ser transsexual?” Nunca recebeu um sim como resposta, mas as portas demoraram a se abrir.

Foi contratado há poucos dias por um escritório de advocacia de São Paulo. A vaga era específica para pessoas que mudaram de sexo. E, pela primeira vez, não precisou dizer, no meio da entrevista, que nasceu Alexandra, mas ainda jovem iniciou um processo de transição, com medicamentos e cirurgias, para se reconhecer, no espelho, como Alexandre. Uma oportunidade para ele e para o escritório que o contratou.

Grandes empresas têm levado em conta, no momento de fechar com uma assessoria jurídica, o perfil do local. As companhias avaliam, por exemplo, a quantidade de mulheres no escritório, o cargo que ocupam e se há funcionários negros e homossexuais.

Esse movimento começou com as multinacionais. De fora para dentro. No ano passado, por exemplo, o Facebook fez um anúncio público nos Estados Unidos de que só contrataria escritórios de advocacia que tivessem ao menos 30% das vagas preenchidas por “minorias”. Empresas como Metlife e Walmart informaram que seguiriam por esse mesmo caminho.

“E isso é algo que já está acontecendo no Brasil. Alguns clientes fazem quase que uma sabatina específica sobre essas questões. Temos que informar já no formulário de proposta”, diz o sócio de uma das maiores bancas do país, que prefere não se identificar.

Alexandre Moss foi contratado pelo Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA). Preencheu uma das cinco vagas oferecidas pelo escritório especificamente para pessoas que mudaram de sexo. A banca disponibilizou ainda outras cinco, voltadas para área administrativa, a refugiados – que serão contratados por meio de grupos da igreja católica que acolhem os recém-chegados ao país.

Solano de Camargo, sócio sênior da LBCA, diz que essas vagas foram criadas a partir da implantação do que ele chama de comitê da diversidade. A ideia surgiu a partir de uma tradicional reunião de balanço, no começo do ano, entre os sócios da banca. Foi nessa ocasião que a área de recursos humanos levantou o assunto.

Solano Camargo, sócio sênior da LBCA

O escritório, recorda o advogado, apesar de nunca ter feito restrição ao perfil do contratado, não tinha esses funcionários. “A advocacia ainda é vista como um ramo de negócio tradicional e talvez, por esse motivo, as pessoas nem se candidatem às vagas”, diz Camargo. “Percebemos, então, que não basta ter um processo de seleção amplo. Para tê-los no escritório nós precisamos ir atrás”, complementa.

Alexandre soube da vaga por um grupo de transsexuais no Facebook. Ele afirma que enviou o currículo e dois dias depois ligaram para a entrevista. “Isso nunca tinha acontecido. Das outras vezes eu via no rosto das pessoas, durante o processo de seleção, que não seria contratado, bastava falar que era transsexual”, afirma. “Certa vez um sujeito chegou a ficar com o rosto vermelho. As pessoas não esperam por isso. Não estão preparadas para isso no mercado de trabalho”, diz.

Mesmo a questão de gênero, homem e mulher, ainda precisa ser superada, avalia o professor e advogado Ruy Copolla, sócio FCTK Advogados. Por ter muito contato com estudantes e recém-formados em direito, ele recebe currículo praticamente todos os dias, seja para a atuação no seu próprio escritório ou para encaminhar a outro que tenha vaga em aberto.

“O que chama muita atenção é que quando são enviados por mulheres muitas vezes vêm destacado o fato de serem solteiras ou não terem filhos”, diz. Para ele, isso mostra o quanto o mercado ainda é preconceituoso. “Estado civil e maternidade não deveriam ser qualificação profissional. Eu como pai e marido tenho as mesmas responsabilidades que a minha esposa. Qual é a lógica, então, em ter restrições às mulheres?”

Os escritórios, aos poucos, vão se transformando. As grandes bancas do país, ao menos, têm criado comitês e grupos de discussão sobre o assunto.

No Mattos Filho, por exemplo, escritório com mais de 500 advogados, existem ao menos três grupos: um dedicado às mulheres, outro aos negros e um específico ao tema LGBTI, a sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transsexuais e pessoas intersexuais (antes chamadas de hermafroditas).

José Eduardo Carneiro Queiroz e Roberto Quiroga, sócios do escritório, explicam que são iniciativas com o propósito de incluir e agregar as pessoas. Os debates, eles dizem, também despertam para ações institucionais. Foi a partir do grupo #mfriendly, voltado ao tema LGBTI, por exemplo, que se concretizaram iniciativas da banca de apoio a campanhas externas, como o Livres e Iguais, um trabalho de inclusão da ONU, e a atuação pro bono para situações, por exemplo, de mudança do nome civil.

“O que vai nos levar para frente, como escritório de advocacia, é ter gente boa trabalhando aqui e essas pessoas estão espalhadas por todos esses nichos. Temos, então, que nos preocupar em não perder talentos”, diz Queiroz. “E, além disso, quem não está fazendo, está perdendo algo que pode ser estratégico para o seu negócio. Esse é um tema que cada vez mais tem a atenção dos clientes.”

O escritório Trench Rossi e Watanabe, que desde 2012 tem um comitê de diversidade e desenvolve ações semelhantes as do Mattos Filho, teve retorno do mercado, há pouco tempo, sobre essa questão. “Participamos da cotação de uma grande empresa e uma das perguntas que nos fizeram tratava sobre a diversidade de gênero. Depois de contratado soubemos pelo cliente que esse foi um diferencial. No sistema de pontuação interna deles, disseram, nós ganhamos muito”, diz Francisco Todorovi, que integra o comitê de administração da banca.

No Trench as mulheres são maioria. Tanto em número de advogados como em quantidade de sócios – 55% dos líderes são mulheres e 44% homens. Há um cuidado na banca, segundo conta a responsável pelo comitê de diversidade e inclusão, a advogada Anna Mello, em atender as necessidades das funcionárias. No retorno da licença-maternidade, por exemplo, as mulheres podem ter um horário mais flexível ou mesmo trabalhar de casa.

“Nós não podemos só receber, nós temos que acolher. Isso é o mínimo que um ambiente de trabalho pode oferecer. É a nossa obrigação básica”, diz Anna. “Temos a diversidade como uma causa social, uma causa interna e como uma causa de negócio”, completa a advogada.

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