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ESG e o novo paradigma sustentável do G20

ESG e o novo paradigma sustentável do G20

Pela primeira vez, a bioeconomia chegou como protagonista à pauta do G20 – a reunião das maiores economias do mundo, que acontece este ano no Brasil – por meio de proposta nacional, aceita pelos países-membros para adesão voluntária.

Foi o que aconteceu com o ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) em 2005, quando proposto pelo então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, aos CEOs globais, tornando-se um novo paradigma sustentável, comprometido com um ciclo de desenvolvimento baseado no meio ambiente, no capital humano e na governança ética. De acordo com o Boston Consulting Group, o valor da bioeconomia pode chegar a US$ 30 trilhões até 2050.[1]

Para servir de referência ao debate internacional, o Brasil propôs e o G20 acatou os Princípios de Alto Nível sobre a Bioeconomia[2], estruturados em dez pontos, que sintetizam a conciliação entre o conhecimento dos povos tradicionais e o conhecimento de ponta das tecnologias gestadas em países desenvolvidos, sem perder do horizonte a transição verde e os compromissos transversais embutidos na nova visão contida na bioeconomia.

Assim como ocorreu com o ESG, a pluralidade dos saberes, a cooperação das estruturas produtivas e os custos climáticos se tornaram temas críticos para a bioeconomia. Nesse cenário, demonstra sua forte relação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Essas metas globalmente acordadas de desenvolvimento dependem da atuação de todas as partes interessadas para serem alcançadas até 2030 e provocar mudanças, visando construir um mundo mais digno e sustentável, sem tantas desigualdades e exclusões. A Agenda 2030 surgiu de compromissos firmados na Cúpula da Rio+20, realizada em 2021, no Brasil. As metas dos ODS’s são interdependentes e interagem com os fatores da sustentabilidade sob os pilares do mercado.

Na literatura científica, a bioeconomia é um conceito aberto, que reconecta a economia e a natureza, sendo que nas últimas décadas fomentou três versões predominantes: bioecologia, biotecnologia e biorrecursos.

Na primeira perspectiva, o crescimento econômico insustentável não tem lugar e se busca uma transformação da produção, dos hábitos de consumo e a preservação dos recursos naturais. Já a biotecnologia quer conhecer melhor os recursos naturais e com apoio da tecnologia, bioquímica e genética, busca encontrar novas formas de produzir alimentos, energia, remédios e outros bens.

Os biorrecursos, por sua vez, estão centrados em compromissos sustentáveis e querem substituir os recursos fósseis e químicos por outros, de origem biológica. Esse modelo está mais vinculado à visão do bloco europeu da bioeconomia, com seu Green New Deal.

O que vem impulsionando a bioeconomia são os novos caminhos que se abrem quanto a práticas e regulações sustentáveis do mercado. Essa questão, aliás, levou a União Europeia a se envolver em uma polêmica planetária recente por conta de sua nova Lei Antidesmatamento, pela qual os exportadores precisam provar que sua produção de café, cacau, soja, madeira, óleo de palma, borracha e gado não estavam vinculadas a terras desmatadas após dezembro de 2020.

Os apelos para que o regramento seja adiado (tem vigência a partir de 30 de dezembro deste ano) reuniram um grupo de diversos países, do Brasil a Alemanha, mas foi rechaçada pela UE. As críticas à nova regra variam e recaem principalmente sobre o fato de que os dispositivos não contêm a devida clareza ou exequibilidade. Para o Brasil, a norma é “unilateral, punitiva e discriminatória”.

Assim como na Agenda 2030 da ONU, que pretende oferecer soluções conjuntas para os principais desafios do mundo, os 10 Princípios de Alto Nível têm na sustentabilidade seu principal pilar, consolidado na base econômica, social e ambiental da bioeconomia. Nesse alinhamento estão o desenvolvimento de novos fundamentos e competências para erradicar a fome, a pobreza e a insegurança alimentar. Em suma, quer responder novamente uma pergunta que surgiu no início das conferências do clima: como crescer sem causar impactos ambientais?

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Como ensinam Vargas, Pinto e Lima: “Enquanto o trabalho é remunerado pelo salário, o capital pelo juro e a propriedade pelo aluguel, o verde é compensado por meio do que podemos chamar de ‘pagamento por serviços ambientais’(…) a composição do fator verde é dada por estoque naturais, como florestas, ecossistemas, recursos hídricos, entres outros. Esses estoques desempenham papel fundamental, como regulação do clima, a purificação do ar e da água, a preservação da biodiversidade, entre outros benefícios ambientais”.[3]

No documento do G20, o item 2 tem caráter social e trata de diversidade, equidade e inclusão, sem esquecer a igualdade de gênero, os povos indígenas e todos os stakeholders (partes interessadas). A relação indissociável com a natureza é uma tendência da pluralidade da bioeconomia, trazendo no seu bojo as metas do ODS-5 (igualdade de gênero), ODS-8 (trabalho decente e crescimento econômico) e ODS-10 (redução das desigualdades).

O terceiro ponto é de combate e adaptação às mudanças climáticas, tema que une o planeta neste momento em que as evidências do desequilíbrio do clima tornam-se mais claras. A questão é um ponto sensível para o Brasil, que vive uma de suas maiores secas, somada ao efeito do El Niño e ao aquecimento global que contribuem para ampliar o período de estiagem, gerando milhares de focos incêndios em todo o país – muitos suspeitos de serem criminosos, causados pela ação humana. Quando o fogo é apagado, o problema não termina, porque a vegetação está fragilizada e pode sofrer novos incêndios e entrar em processo de degradação.

O item 4 trata da conservação da biodiversidade, atualmente atrelada ao drama ambiental brasileiro. Com recorde de focos de incêndios, milhões de animais silvestres devem estar morrendo queimados ou intoxicados. Em 2020, a Embrapa Pantanal estimou que 17 milhões de vertebrados foram vítimas diretas do incêndio. Este ano, ainda não se sabe o real impacto do fogaréu no Pantanal, na Amazônia e em outros biomas.

O 5º item busca promover a restauração de áreas e ecossistema degradados, enquanto o item 6 prestigia o conhecimento tradicional unido à tecnologia para mensurar riscos e benefícios. Este tópico trata de fomentar o necessário equilíbrio ambiental, até porque a ciência já trouxe muitos benefícios para a humanidade, mas também a expôs a muitos riscos em sua trajetória de mudanças graduais ou disruptivas.

O historiador japonês Ogawa Yamada é bastante preciso ao citar que “cada cultura e cada sociedade tem sua própria ciência e sua função é sustentar sua sociedade e cultura mãe”.[4] Quando todos os saberes atuam em conjunto cresce a capacidade de mitigar os impactos negativos da ação humana sobre o planeta.

O 7º item aborda o mercado e modelos de negócios sustentáveis, empregos dignos e participação de empresas e sociedade civil. Neste tópico há um chamado para a adoção continuada de negócios que mantenham uma dinâmica sustentável e de consecução dos ODS’s, ou seja, aqueles que exploram os recursos do presente sem esgotá-los para que as gerações futuras não sejam privadas de recursos que possam atender suas necessidades e bem-estar.

O item 9 aborda a mobilização para promover financiamento, capacitação e compartilhamento de melhores práticas. Surge a necessidade de métricas e parâmetros para medir a pegada ambiental relativa a diferentes setores produtivos.

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Neste tópico, vale incluir a proposta de criação de um fundo do clima para apoiar os países afetados pelo aquecimento global. Na COP 28 o valor ficou estabelecido em US$ 420 milhões, considerado tímido para um mundo que vive uma conturbada série de eventos climáticos extremos. Somente no Brasil, os focos de incêndio, que já ultrapassaram a marca de 190 mil, embutem além do prejuízo ambiental a questão da saúde pública por conta da péssima qualidade do ar e dificuldade de acesso à água, e a econômica, com alimentos mais caros e menor oferta de energia.

O item 10 estipula que as questões da bioeconomia serão tratadas de acordo com as demandas de cada país. A União Europeia, por exemplo, elabora o Relatório de progresso da bioeconomia, que faz o rastreamento do avanço do bloco em direção à bioeconomia sustentável, que conta com cinco objetivos principais: segurança alimentar, gerenciamento de recursos naturais, redução da dependência de recursos não renováveis e insustentáveis, mitigação e adaptação às mudanças climáticas e incremento da competitividade europeia e criação de empregos.[5]

Ao encerrar a reunião do G20, em novembro deste ano, o Brasil deixa de legado uma proposta consistente de transição para a bioeconomia e preenche lacunas de um desenvolvimento sustentável, com insights para todos os países participantes. Manter a economia em equilíbrio com a natureza (recursos biológicos renováveis) não é mais fonte de debates, mas uma estratégia de sobrevivência a longo prazo para o planeta, como vêm constatando as práticas ESG.

Neste sentido, o Brasil demarcou seu modelo de desenvolvimento, ao editar o Decreto 12.044/2024,  que institui a Estratégia Nacional de Bioeconomia, baseada “em valores de justiça, ética e inclusão, capaz de gerar produtos, processos e serviços, de forma eficiente, com base no uso sustentável, na regeneração e na conservação da biodiversidade, norteado pelos conhecimentos científicos e tradicionais e pelas suas inovações e tecnologias, com vistas à agregação de valor, à geração de trabalho e renda, à sustentabilidade e ao equilíbrio climático”.[6]


[1] Disponível em https://www.naturefinance.net/resources-tools/global-bioeconomy-g20-stocktake/

[2] Disponível em https://www.g20.org/pt-br/trilhas/trilha-de-sherpas/bioeconomia

[3]VARGAS, D.B.; PINTO, T.P; LIMA,C.Z. A TRANSIÇÃO VERDE:BIOECONOMIA E CONVERSÃO DO VERDE EM VALOR. Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia. Fundação Getúlio Vargas. São Paulo, SP, Brasil, 2023.

[4]Disponível emhttp://dx.doi.org/10.1002/sce.3730790507

[5]Disponível emhttps://knowledge4policy.ec.europa.eu/publication/report-com2022283-eu-bioeconomy-strategy-progress-report-european-bioeconomy-policy_en

[6]Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/decreto/d12044.htm


Yun Ki Lee – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Doutorando em Direito Internacional Privado pela USP, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito

Fabio Rivelli – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA). Doutorando e mestre em Direito pela PUC-SP e MBA pelo Insper

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