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ESG enfrenta críticas e a ‘cólera dos deuses’

ESG enfrenta críticas e a ‘cólera dos deuses’

“Se eu, Aguirre, quiser que os pássaros caiam mortos, eles cairão mortos das árvores. Eu sou a cólera dos deuses. A terra tremerá por onde quer que eu passe. Quem me seguir terá riquezas inimagináveis. Mas quem me desertar….” Esse é um dos diálogos do filme “Aguirre, a cólera dos deuses”, do diretor alemão Werner Herzog, que completa 50 anos. Na obra, o personagem Lope de Aguirre, um dos mais violentos da colonização espanhola, comandou a expedição realizada entre 1559 e 1561, transpondo os Andes e fazendo uma exploração às cegas pelo rio Amazonas em uma balsa improvisada atrás do paraíso edênico do Eldorado. Aguirre se torna uma espécie de Quixote grotesco, vencido pela natureza, pela floresta, tratada pelo diretor como uma arena de resistência, que esconde e revela seus povos originários.

Podemos fazer um paralelo da mensagem apocalíptica do filme com as crescentes críticas, principalmente de políticos norte-americanos, ao ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) na defesa das empresas de energia fóssil, ignorando a discussão das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), os impactos causados pelo aumento da temperatura do planeta e a necessidade de medidas mitigadoras. Não se pode ignorar que os Estados Unidos são atualmente os maiores produtores de petróleo bruto do mundo, tendo superado a Arábia Saudita e a Rússia. Atingiu 17 milhões de barris/ano, segundo a Agência Internacional de Energia. Também não se pode postergar o fato de que em cinco anos temos de ter respostas concretas para mitigar a crise climática ou divisar seus nefastos resultados.

As restrições ao combustível fóssil em nome da sustentabilidade vêm atraindo a “ira” de alguns governadores norte-americanos contra os pilares ESG e Wall Street, especialmente nos estados que lideram a produção de petróleo, gás e carvão. Eles entendem que o compromisso de atingir “net zero” irá interferir na produção de energia fóssil, na economia. Calcula-se que 17 estados norte-americanos estão com o tema na pauta, sendo que os ativos voltados ao ESG enfrentam dois argumentos principais: pressão ideológica para o investidor adotar uma agenda social e política e violação da lei antitruste.[1]

Contudo, uma pesquisa realizada no ano passado sob o título “Do outro lado do corredor: desbloqueando o poder bipartidário do ESG”, com 1.240 eleitores norte-americanos, questionou a existência dessa pressão. O levantamento apontou que 79% dos democratas e 71% dos republicanos entendiam que as empresas são responsáveis por contribuir para melhorar o planeta. Na introdução, os autores da pesquisa explicam que “há pouca compreensão de como as visões de ESG se correlacionam com as crenças políticas” e concluem que há um apoio bipartidário, principalmente entre os mais jovens, aos esforços ESG: “Com o clima político americano marcado pela crescente polarização entre democratas e republicanos, muitos podem tirar conclusões rápidas sobre a ‘esquerda’ e a ‘direita’ quando se trata de apoio aos esforços ESG, mas este relatório sugere que os estereótipos políticos subestimam o consenso”.[2]

Independente do equilíbrio “ideológico” apontado pela pesquisa, os fatos estão expondo uma verdadeira resistência ao ESG. É o caso do governador da Flórida, Ron DeSantis, que chegou a emitir resolução segundo a qual naquele estado os administradores de fundos de pensão estão proibidos de levar em conta critérios ESG quando forem investir, devendo dar prioridade ao desempenho financeiro. Ele ainda quer alterar o estatuto de práticas comerciais para proibir qualquer benefício aos papéis ESG.

Na mesma toada, o Texas tem um projeto de lei que estabelece aos fundos de pensão estatais exclusão daqueles que boicotam empresas de combustíveis fósseis. Também a Louisiana já retirou de um dos maiores fundos de ativos do mundo mais de US$ 1,3 milhão por entender que beneficiam o ESG e prejudicam as empresas de energia. Igualmente, a Procuradoria-Geral da Louisiana quer investigação sobre os ratings ESG. Mal comparado, seria como se as empresas com compromissos ESG formassem uma espécie de “cartel ambiental, social e de governança”. O principal argumento jurídico utilizado contra o ESG não tem lastro ideológico. Está mais concentrado numa eventual violação de leis concorrenciais e levantam a pergunta: concorrentes podem cooperar entre si para atingir um fim sustentável?

Na verdade, a Comissão Federal de Comércio dos EUA e a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça, em audiência no Senado norte-americano, disse ter preocupações nesse sentido. As companhias possuem total liberdade para definir suas metas ESG, mas há risco antitruste quando concorrentes atuam conjuntamente para promover alterações de produtos que envolvam ESG e isso poderia afetar a produção, recursos envolvidos e preços. Da mesma forma, veem como risco concorrencial anúncios voltados a definir meta para atingir zero líquido, realizado por empresas competidoras.

Essa preocupação também chegou à Comissão Europeia, que está ativa neste debate sobre a sustentabilidade no contexto da Lei Antitruste, tendo apresentado o chamado Policy Brief (resumo de políticas recomendadas): “A questão mais premente levantada pelas partes interessadas é a necessidade de mais clareza sobre como e se os objetivos de sustentabilidade podem ser considerados em avaliações antitruste de cooperações, como acordos para eliminar produtos ou modos de produção insustentáveis, compra conjunta de insumos sustentáveis, P&D&I conjunta ou estabelecimento de padrões conjuntos para produtos e tecnologias verdes”.

Diante da premência de assegurar a sustentabilidade, expressa no Green Deal europeu (neutralidade climática até 2050), as autoridades concorrenciais têm optado por adotar meios regulatórios e fiscais para superar esse impasse, em detrimento do emprego de leis concorrenciais tradicionais, sem chegar a constituir uma política antitruste mais flexível. Isso não impediu, por exemplo, que aplicassem multa milionária a cinco montadoras de automóveis alemãs, que adotaram tecnologia para redução de emissões. Não se tratava de um cartel de preços, mas tecnológico. O uso de AdBlue, solução que transforma óxidos de nitrogênio em produtos inofensivos. As empresas trocaram “informações sobre os tamanhos dos tanques de AdBlue, os intervalos de recarga e o consumo médio de AdBlue de futuros modelos de tanques”.[3]

A Comissão Europeia busca um equilíbrio entre a lei antitruste e a cooperação de sustentabilidade, orientando no sentido de estabelecer salvaguardas para garantir normas aplicadas com transparência e não discriminatórias, sem haver o compartilhamento de informações competitivas sensíveis entre as empresas, por melhor que sejam as intenções de uma cooperação visando à sustentabilidade. 4

Um dos argumentos aceitáveis passa pelo critério da necessidade à medida que as partes envolvidas em um acordo de sustentabilidade devem argumentar que não existe uma alternativa menos competitiva para atingir este objetivo, evitando envolver preço, quantidade, qualidade, seleção ou inovação. Alguns países já publicaram diretrizes sobre acordo de sustentabilidade e risco de concorrência para evitar condutas abusivas, como a Alemanha, Reino Unido e a Holanda.

Para além da “era das navegações”, adentramos em um novo “período de obstáculos” para atingirmos as metas climáticas globais, igualmente desafiadoras diante da questão concorrencial, sob ameaça de uma verdadeira “cólera dos deuses”. Esse enfrentamento envolve questões de segurança energética e de meta de emissões, fundamentais para concretizar a transição para uma economia descarbonizada até metade do século; assim como uma colaboração em torno de objetivos climáticos vistos como ilegais. É o caso do texto da Corrida para Zero da ONU (Race to Zero), que teve de ser alterado quando se posicionou contra novos projetos de carvão para não incorrer em um possível risco antitruste.

A COP 27 (Conferência das Partes), de 6 a 18 de novembro, no Egito, terá de oferecer mais do que medidas protocolares para fazer o debate climático avançar. Além das propostas de mitigação, tem de ligar com a sombra da invasão da Ucrânia pela Rússia, levando à retomada da produção de combustíveis fosseis para suprir a falta do gás russo. Nessas narrativas que envolvem economia e sustentabilidade, as Conferências do Clima ajudam a fomentar possíveis caminhos.

Criadas em 1992, na conferência histórica da Rio-92, para tratar da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change), estabeleceu protocolos de contribuição para os países-parte reduzirem suas emissões.

As Conferências do Clima tiveram duas edições fundamentais para ajudar a conter a emergência climática: a COP 3, na qual criou-se o Protocolo de Kyoto e o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), proposto pelo Brasil e que permitia a compressão da emissão de dióxido de carbono com projetos sustentáveis para reduzir emissões, sendo um precursor do mercado de carbono, e o Acordo de Paris (COP 21), destinado construir uma resiliência, mantendo o aquecimento global em 2°C ou, preferencialmente, em 1,5°C, em comparação aos níveis pré-industriais,  estabelecendo contribuições mais pontuais para evitar riscos climáticos, mediante  Compromissos Nacionalmente Determinadas (NDC), firmados pelos países signatários e passíveis de revisão.

Todos que externam sua “ira” contra o ESG desejam atingir fundos e investidores climáticos, embora a transição energética para uma economia descarbonizada tenha de acontecer, mais cedo ou mais tarde – e de forma interdependente na “arena planetária”. Assim sendo, as empresas de energia fóssil também precisam ser atraídas para compor o caldo do universo ESG ao invés de serem blindadas por políticas ou pela mão da lei antitruste. Ou é isso ou enfrentaremos a verdadeira “cólera dos deuses”, a “cólera da natureza”, da maior crise mundial vivenciada pelo planeta, dentro do contexto apocalíptico, tão precisamente retratado pela escritora Clarice Lispector: “E se essa escuridão se transformar em chuva, que volte o dilúvio, mas sem a arca, nós que não soubemos fazer um mundo onde viver, não sabemos na nossa paralisia como viver”.[5]


[1] Disponível em https://rollcall.com/2022/10/20/investors-resist-efforts-to-paint-esg-as-a-political-issue/

[2] Disponível em https://rokksolutions.com/wp-content/uploads/2021/10/ROKKSolutionsAcrossTheAisle.pdf

[3] Disponível em https://delano.lu/article/eu-fines-bmw-and-volkswagen-87

[4] Disponível em https://www.cms-lawnow.com/ealerts/2021/09/eu-green-deal-sustainability-and-competition-law-european-commissions

[5] A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro:Rocco, 1999.i

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