No Brasil, a legalidade e regulamentação de substâncias derivadas da Cannabis vêm sendo discutidas no âmbito Legislativo e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Tal regulamentação garante a segurança e a qualidade dos tratamentos terapêuticos, trazendo benefícios à área da saúde e também à economia nacional, tendo em vista que o mercado de produtos à base de Canabidiol tem crescido significativamente nos últimos anos e pode se tornar uma importante fonte de receita para o país.
Contudo, a regulamentação do uso de medicamentos e cosméticos à base de Cannabis e a importação de insumos ainda é um desafio para as empresas, uma vez que a legislação ainda é incipiente e há muitas lacunas e incertezas jurídicas sobre o tema.
A falta de clareza sobre as regras de importação, produção e distribuição de produtos à base de Cannabis pode levar a problemas de qualidade e segurança dos produtos, além de encarecer o produto para o consumidor final. As empresas que desejam trabalhar com produtos à base de Cannabis enfrentam dificuldades para obter autorizações e licenças de órgãos regulatórios e fiscalizadores.
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Inclusive, em decisão publicada no dia 14 de março de 2023, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento de um Incidente de Assunção de Competência instaurado no recurso especial 2.024.250/PR, determinou a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tratam da possibilidade de concessão de Autorização Sanitária para importação e cultivo de variedades de Cannabis.
Para a produção de medicamentos e demais subprodutos para usos exclusivamente medicinais, farmacêuticos ou industriais.
A planta Cannabis Sativa, da qual deriva medicamentos à base de Canabidiol (CBD), possui diversos componentes que podem ser utilizados nos mais diversos segmentos, desde a produção de tecidos e materiais para a construção civil, até para a produção de cosméticos e medicamentos. Entre as substâncias derivadas da Cannabis, pode-se afirmar que as mais estudadas são o canabidiol (CBD), que possui efeitos terapêuticos, e o tetrahidrocanabinol (THC), que é responsável pelos efeitos alucinógenos.
O art. 2º, parágrafo único, da lei 11.343/06 (Lei de Drogas) outorga à União a faculdade de autorizar, para fins medicinais ou científicos, o plantio, a cultura e a colheita de vegetais dos quais seja possível extrair substâncias psicoativas – dentre elas o THC -, dispositivo ainda não regulamentado pelo Poder Executivo, cuja omissão vem obstando o cultivo de cânhamo industrial (hemp) e o desenvolvimento de mercados voltados à comercialização de subprodutos da Cannabis no Brasil.
Em busca de uma melhor qualidade de vida, diversos pacientes têm optado por tratamentos não convencionais e estudos recentes apontam que o uso de medicamentos à base de CBD pode ser uma excelente alternativa no tratamento terapêutico para problemas de saúde.
O CBD é um componente químico com propriedades terapêuticas já utilizadas para alívio de crises convulsivas, controle de dores crônicas, síndromes raras, inflamações e até mesmo para tratar de questões neurológicas, como redução de ansiedade e controle da depressão. Pesquisas científicas inclusive destacam o potencial do CBD para o tratamento de Parkinson, Alzheimer, Esclerose Múltipla, AVC, Estresse Pós-Traumático, dentre outros.
Ainda, é importante destacar que embora o THC seja o principal responsável pelos efeitos alucinógenos da Cannabis, tal substância também pode trazer benefícios aos pacientes, como por exemplo os efeitos analgésicos, de modo que o THC também pode ser utilizado para a produção de medicamentos.
No cenário histórico, é interessante citar que, em 2014, o CFM – Conselho Federal de Medicina editou a resolução CFM 2.113/141, que admitia o uso compassivo de medicamentos à base de Cannabis. Conforme explicado pelo próprio órgão de classe: “o uso compassivo ocorre quando um medicamento novo, ainda sem registro na Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa), pode ser prescrito para pacientes com doenças graves e sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país“.
Por sua vez, nos últimos anos, a ANVISA tem autorizado a importação de medicamentos à base de Cannabis, inclusive regulamentou a importação e produção de medicamentos com a edição de algumas resoluções, como a resolução 335/202 e a 372/203, que indica o Canabidiol (CBD) como substância sujeita à receita de controle especial4.
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Atualmente, a legislação que trata da importação de produtos à base de Cannabis é a RDC 660/22/ANVISA (RDC 327/195 e 17/156), vigente desde maio de 2022, que define critérios e procedimentos para os pacientes (pessoa física) que almejam o uso do medicamento em tratamento de saúde.
As empresas e laboratórios que importam e comercializam produtos à base de cannabis devem adotar os cuidados necessários para garantir a qualidade e a segurança dos medicamentos, com a realização de testes clínicos rigorosos, verificação da pureza e concentração do CBD, bem como a informação clara e precisa sobre seus efeitos e riscos.
No Estado de São Paulo, no dia 31/01/23, foi sancionada a lei 17.618/23 que institui a política estadual de fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol. A nova legislação estabelece que a rede estadual pública de saúde e a rede privada conveniada ao SUS (Sistema Único de Saúde) fornecerão, de forma gratuita, medicamentos com canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) – derivados da Cannabis -, para pacientes com prescrição médica.
No âmbito nacional, tramita no Congresso Nacional o PL 4.776/19, que dispõe sobre o uso da planta Cannabis spp. para fins medicinais, e o projeto de lei 5.295/19, que submete ao regime de vigilância sanitária a produção, a distribuição, o transporte, a comercialização e a dispensação de cannabis medicinal e dos produtos e medicamentos dela derivados, ambas aguardando designação do relator no Senado Federal.
É importante destacar que a distribuição do medicamento para tratamento de pacientes ocorrerá em situações excepcionais indicadas pela medicina e poderão ser nacionais ou importados, precisando sempre estar em conformidade com as normas da ANVISA.
Assim, para atender os requisitos estabelecidos na legislação vigente até o momento, as pessoas jurídicas interessadas na produção de produtos à base de Cannabis devem buscar a regularização, com a obtenção de autorizações pela ANVISA e pela Vigilância Sanitária local, além de apresentar a petição junto ao referido órgão, mediante o preenchimento de um formulário com as principais características e a composição quali-quantitativa dos produtos objeto da autorização sanitária.
Diante das questões expostas, é certo que a legislação acerca do tema ainda será objeto de uma longa discussão, pois existem diversas nuances que devem ser ponderadas. Contudo, é nítido que nos últimos anos o assunto vem ganhando força, e o Poder Público vem demonstrando cada vez mais interesse em regulamentar a importação e produção de medicamentos à base de CBD e THC, especialmente em razão à resposta positiva que diversos pacientes têm apresentado.
Essa evolução legislativa gera um aumento progressivo no número de empresas e laboratórios interessados em atuar nesse nicho de negócio, sendo de suma importância um acompanhamento especializado para garantir que os requisitos legais e sanitários sejam atendidos, permitindo que a pessoa jurídica contingencie prejuízos e siga com o pleno exercício de suas atividades.
1 A Resolução CFM 2.113/14 estabelece as normas éticas e os critérios para a prescrição de canabinoides para fins terapêuticos no Brasil.
2 A Resolução ANVISA 335/20 autoriza a fabricação e a comercialização de produtos à base de cannabis para uso medicinal em território brasileiro, desde que sejam registrados na ANVISA e atendam aos requisitos estabelecidos pela agência.
3 A Resolução ANVISA 372/20 define os requisitos técnicos e administrativos para a concessão de autorização especial para a fabricação e a importação de produtos à base de cannabis para uso medicinal.
4 A Portaria ANVISA 344/98 regulamenta o controle e a fiscalização de substâncias sujeitas a controle especial no Brasil, incluindo as substâncias à base de cannabis.
5 A RDC ANVISA 327/19 estabelece as regras para a realização de estudos clínicos com produtos à base de cannabis no Brasil.
6 A RDC ANVISA 17/15 estabelece as normas para a importação de produtos à base de cannabis para uso medicinal no Brasil, desde que sejam registrados na ANVISA e atendam aos requisitos estabelecidos pela agência.
Adalberto Fraga Veríssimo Junior
Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA) e coordenador na área de Direito Digital e Novas Tecnologias.
Liz de Oliveira Lopes Benavente
Advogada da Lee, Brock, Camargo Advogados, graduada em Direito pela Universidade Franciscana de Santa Maria/RS. Pós-Graduada Lato Sensu (LL.M.) em Direito Digital pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo/SP. Membro Efetiva da Comissão Especial de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-SP.
Nathalia Cardoso dos Santos
advogada na área de Contencioso Cível Estratégico da Lee, Brock, Camargo Advogados e pós-graduada em Direito Processual Civil Aplicado pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI) e Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).