As práticas de ESG (do inglês Environmental, Social and Governance) enquanto pilares de metodologias criadas para favorecer o desenvolvimento consciente do negócio, tem o importante papel de promover o debate de pautas sociais que impactam a rotina de uma organização, dentre elas a qualidade de vida e de trabalho das mulheres no mundo corporativo.
Nesse sentido, os direitos das mulheres e a sua repercussão na sociedade são, sem dúvidas, uma temática atemporal e se encaixam na agenda ESG. Conforme os séculos passam e a humanidade amadurece, tanto no aspecto científico quanto social, o assunto se renova e traz novos debates sobre a realidade enfrentada por uma mulher.
Se no passado a discussão paulatina envolvia a prerrogativa feminina de ter um trabalho, hoje as polêmicas envolvem as garantias trabalhistas do gênero, dentre elas a de possível licença durante o período menstrual.
Dores fortes de cabeça, náusea, fadiga e a, muito comum, cólica menstrual ou dismenorreia (dor pélvica que surge no primeiro dia do período menstrual). constituem os principais motivos pelos quais as mulheres passam por dias difíceis durante a menstruação.
Dados apontam que os sintomas descritos provocam redução da produtividade e alterações significativas na rotina de trabalho, cerca de 80% das mulheres alegam render menos resultados. No Brasil, mais de 60% da população feminina relata ter dores intensas, ocasionando o presenteísmo.
Segundo pesquisadores do conceito, o presenteísmo é a conduta do empregado que está presente no ambiente físico, mas física e psicologicamente encontra-se ausente, tendo seu rendimento prejudicado por questões de saúde física ou mental. Esses trabalhadores são descritos como inseguros, workaholics e pessoas com receio de serem substituídas, situação que frequentemente se assemelha com os relatos do público feminino.
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Em vista disso, estudam-se ao redor do mundo maneiras de minimizar os efeitos negativos do ciclo menstrual no trabalho para trabalhadoras e empresas. Prova disso é o Projeto de Lei nº 1143/19, em análise conclusiva pelas Comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
A inciativa busca incluir na CLT (Convenção das Leis do Trabalho, Decreto-Lei Nº 5.452, De 1º de maio de 1943) a alínea B no artigo 373, com previsão de três dias de afastamento ao mês para as empregadas durante o período menstrual, com possibilidade de compensação de horas a ser exigida.
A ideia espelha os exemplos do Japão, China e Indonésia, países onde a licença está em vigor, bem como a Espanha, que em breve pode se tornar o primeiro país europeu a implementar a medida. O principal argumento é de que as mulheres teriam o desconforto menstrual humanizado e as empresas se beneficiariam com o rendimento de suas empregadas em nível mais alto. No entanto, alcançaria a norma os efeitos práticos pretendidos?
Inicialmente, cabe observar os impactos para as trabalhadoras. Embora estejamos falando de um processo fisiológico, a sociedade criou um estigma em torno da menstruação, tratando-a como um tabu e pretexto para preconceitos. Ao mesmo tempo em que a adoção da licença poderia contribuir para uma mudança cultural, poderia igualmente aumentar a discriminação já existente.
Quando tomamos por base a licença maternidade, instituída há mais de cinco décadas, torna-se deduzível a consequência nos índices de inserção no mercado de trabalho e contrações de mulheres. Atualmente, a participação feminina no mercado é pelo menos 20% inferior a participação masculina e a maternidade permanece influenciando admissões, a licença menstrual poderia representar um agravo desta condição se vista como uma desvantagem de contratação.
Além disso, o ciclo menstrual pode apresentar diversas variações e com isso expor as empregadas a sabatinas sobre sua privacidade. Não ficam claras no Projeto as condições para concessão da licença, menos ainda os meios pelos quais poderia ser usufruída sem constranger a empregada diante de seus superiores e colegas de trabalho.
As informações sobre o período tem potencial sensível e exigem mais que a mera previsão legal, inclusive por força da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a LGPD.
Presume-se igualmente repressões para homens trans e pessoas não binárias, uma vez que a literalidade da proposta legal limitaria o benefício às mulheres cis ao optar pelo termo “empregada”, sem levar em consideração a possível transfobia e o fato de que a menstruação não está atrelada a feminilidade.
Válido reforçar que a identificação de gênero independe de redesignação cirúrgica, acrescentados a todos os sintomas do período menstrual, estes grupos de pessoas estão sujeitos a disforia de gênero.
Ademais, historicamente, as mulheres são submetidas a mudanças de hábito, postura e comportamento no exercício de suas funções para serem respeitadas. Tais fatores somados, inclusive, ao provável crescimento da competitividade feminina e atitudes sexistas dentro do ambiente de trabalho nos levam a crer que parte considerável das mulheres optaria por não fazer uso da licença, visando manter sua reputação e credibilidade inalterada.
Por outro lado, do ponto de vista empresarial, também há questões relevantes a serem observadas. A falta de critérios e requisitos traria insegurança jurídica às organizações, pois correriam riscos trabalhistas ao estabelecerem os próprios critérios de concessão, assim como não os estabelecer os tornariam mais vulneráveis a fraudes, porque nem todo ciclo menstrual apresenta o quadro sintomático. Isso sem mencionar, de forma ampla, a possibilidade de custos operacionais derivados da licença.
Outrossim, pode-se afirmar que o afastamento provocado pelas dores do ciclo menstrual já é garantido no país, desde que apresentado atestado médico como nos demais casos de afastamento por motivos de saúde. Vale ressaltar que os sintomas mais acentuados no período menstrual geralmente apontam para doenças reprodutivas, como a endometriose e a síndrome dos ovários micropolicísticos, sendo necessária a avaliação pela ótica previdenciária.
Argumenta-se, ainda, que as normativas brasileiras atuais não fazem distinção de gênero sobre os motivos apresentados como causas de afastamento, pois existem leis antidiscriminação que proíbem práticas discriminatórias, a exemplo da Lei nº 9029/1995 que protege outros direitos das mulheres. Sob este viés, a licença menstrual seria redundante e pouco eficaz, ocasionando o efeito oposto do pretendido.
Tantos contrapontos reforçam a necessidade crescente de que as empresas dediquem atenção para as práticas de ESG. O conceito diz respeito a ciência das organizações de que suas ações, ou a falta delas, têm impactos éticos, sociais e no meio ambiente. Manter um ambiente de trabalho saudável e equilibrado é um objetivo alinhado aos propósitos abrangidos pela sigla.
Nesse sentido, uma agenda com enfoque em estratégias de gestão e governança pode construir a cultura participativa dentro empresa, com permissão para que as próprias trabalhadoras possam contribuir para a criação de iniciativas que melhorem a qualidade de vida e trabalho das trabalhadoras e empregadas.
Válido lembrar que todo ambiente de trabalho apresenta particularidades, as quais seriam observadas caso a caso, como, por exemplo, a possibilidade de implementar a flexibilização de horários e trabalho remoto.
Ressalta-se, ainda, que o ESG possui a característica de ser cíclico, o que torna improvável a criação de critérios e regras estanques. Isso significa que seria possível revogar e inovar iniciativas regularmente, com acompanhamento contínuo do público alvo, sem que as condições do trabalho feminino fossem negligenciadas por previsões legais afetadas pelo decurso do tempo ou as mudanças da sociedade.
Por fim, é possível concluir que apesar dos tabus acerca da menstruação influenciarem a percepção corporativa, o engajamento empresarial com as pautas de direitos das mulheres tem a contribuir tanto para as trabalhadoras quanto para a organização, que conquista diferencial competitivo e um quadro de colaboradoras de alto rendimento e comprometidas com o crescimento.
Rayanne Conceição de Almeida Santos é advogada na Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).