Impedidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de usarem influenciadores digitais em campanhas, os candidatos adotam a estratégia de, eles mesmos, protagonizarem vídeos nas redes sociais e tentar aumentar o seu alcance. Os “influencers”, por sua vez, viram uma aposta dos partidos como puxadores de voto.
Para especialistas, o pleito deste ano pode trazer situações inéditas que envolvem até mesmo o uso de influenciadores criados por inteligência artificial, algo que, para alguns, o TSE ainda não estaria preparado. A disputa deve servir como um “teste” para atualizar as regras em 2026.
Na última semana, influenciadores como Luísa Mell, Paulo Kogos e Cristian, o “Pantera”, foram apresentados pelo União Brasil para disputar vagas de vereador em São Paulo e no Rio de Janeiro. A estratégia não é totalmente nova, por também envolver pessoas ligadas ao meio artístico, como o ator Babu Santana, filiado recentemente ao Psol.
O que vemos é muita improvisação com a chegada das eleições”
— Pablo Nobel
Em São Paulo, um dos pré-candidatos é o “influencer” Pablo Marçal (PRTB). Ele é alvo de uma representação junto ao Ministério Público Eleitoral (MPE), apresentada pela deputada Tabata Amaral (PSB), sua adversária. Marçal foi flagrado pedindo a apoiadores que promovam e divulguem recortes dos seus vídeos em troca de pagamentos e “parcerias”.
Na ação, os advogados de Tabata citam artigo da resolução do TSE que proíbe a contratação de pessoas físicas ou jurídicas para fazer publicações em seus perfis nas redes de cunho eleitoral. Procurada, a assessoria de Marçal não se pronunciou.
“Essa é uma deturpação do marketing de influência, só que essa ilegalidade não está muito bem prevista no TSE”, avaliou o consultor político Bruno Bernardes. “Quem vai julgar o que é influenciador e o que não é, o que é uma parceria? Isso vai dar uma confusão tremenda.”
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O advogado Ticiano Gadelha considera que a definição de influenciador está ampla e, portanto, é difícil de ser enquadrada. Além disso, ele avalia ser ainda mais desafiador fazer a diferenciação entre campanhas pagas e orgânicas ou mesmo rastrear as formas de recompensa.
“O intuito mais legítimo talvez tenha sido o de evitar a propagação de informações falsas. A grande questão é: não evita. Eu acho que foi infeliz essa palavra ‘influenciadores’, porque você tem influenciadores de todos os lados, em diferentes nichos.”
Nos últimos anos, políticos de diferentes correntes tentam aumentar a participação nas redes, como é o caso dos prefeitos do Recife, João Campos (PSB), de Florianópolis, Topázio Neto (PSD), do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), e de Alagoas, JHC (PL). Os vídeos publicados por eles envolvem, por exemplo, entregas de obras, equipamentos e campanhas de saúde.
Para o marqueteiro Pablo Nobel, aqueles que já possuem uma presença forte na internet levam vantagem. “Candidatos que construíram uma presença digital ao longo do tempo saem na frente de candidatos sem essa participação.
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Pessoas que só lembram agora que precisam começar a fazer um trabalho digital certamente não terão o resultado daqueles que estão há dois, três anos construindo uma presença digital sólida. O que vemos é muita improvisação com a chegada das eleições. As pessoas se desesperam e querem ter uma presença digital em pouco tempo”, avaliou Nobel.
Outro foco de preocupação entre especialistas envolve o uso de influenciadores criados por meio de inteligência artificial. O alerta já foi feito pelo Comitê de Cibersegurança (CNCiber), órgão ligado ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), à presidente do TSE, Cármen Lúcia.
Em documento entregue à ministra, a advogada Patrícia Peck argumentou que “o influenciador de IA não se enquadraria necessariamente como pessoa natura, e também não é necessariamente uma pessoa jurídica, pois devemos verificar a situação cadastral daquele ‘personagem’ conforme a legislação nacional”. Para ela, “também não fica claro quem seria responsável por um comportamento inadequado, se o desenvolvedor, se a marca patrocinadora do influenciador IA, ou ambos.”
A advogada eleitoralista Marilda Silveira lembra que essa é a primeira vez que a Justiça Eleitoral vai enfrentar de forma direta o tema sobre os influenciadores digitais. Portanto, ainda não existem respostas de casos concretos sobre o assunto e a jurisprudência do TSE não é específica sobre a questão.
Para Silveira, de acordo com a resolução do TSE é possível compreender que “influencers” podem manifestar apoio a candidatos pois eles estão expressando a sua vontade política, mas sem ter dinheiro envolvido. “Na vida real, eu posso contratar cabo eleitoral para sair na rua e entregar santinho, na internet, não”, explicou. De acordo com Silveira, é conduta vedada ao candidato a criação de um “influencer” por inteligência artificial, nem se ele avisar – bonequinhos e mascotes podem.
O professor de direito Ricardo Freitas Silveira, da Saint Paul Escola de Negócios, avalia que as normas do TSE vigentes para as eleições municipais de 2024 “acertadamente proíbem a utilização de ‘deepfakes’ e condicionam a publicação de conteúdo gerado por IA mediante um aviso explícito de sua utilização”.
Sobre o avanço da regulamentação da IA, ele considera que o marco legal em discussão no Congresso ainda requer muito debate. “Após as eleições de 2024, certamente a sociedade e o Congresso estarão mais prontos para este importante desafio”, afirma Silveira.