Por causa do excesso de processos, o juiz Vilson Fontana, do 2º Juizado Especial Cível de Florianópolis, tomou uma decisão inusitada. Por meio de “portaria com valor de sentença”, extinguiu 55 mil ações contra serviços de pontuação (score) oferecidos por empresas de proteção ao crédito, que estimam a probabilidade de inadimplência dos consumidores.
O magistrado decidiu seguir esse caminho depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerar legal o serviço, por meio de recursos repetitivos. Ele levou em conta também o fato de praticamente todos os casos terem sido ajuizados antes da decisão, proferida em novembro do ano passado, e pedirem danos morais pelo simples fato de serem atribuídas notas aos consumidores.
Na portaria, porém, o juiz faz uma ressalva: “a possibilidade de discussão, em novos processos, das questões asseguradas pelo STJ”. Os ministros, de acordo com Fontana, entenderam que os consumidores só teriam direito a danos morais se forem utilizadas para a pontuação informações excessivas ou sensíveis como cor, orientação sexual, religião ou mesmo clube de futebol ou se ficar comprovada recusa de crédito por uso de dados incorretos ou desatualizados.
“Se fosse abrir cada caso, levaria de quatro a cinco anos para analisa-los”, diz Fontana. “Na quase totalidade dos processos, discute-se apenas o direito a uma indenização pelo fornecimento do serviço. Não há indicações de que os dados ferem os direitos das partes.”
Na portaria, o juiz alega ainda que haveria dificuldade no processamento convencional dos casos, “quer em razão do travamento do sistema por sobrecarga na fila, quer pela falta de pessoal”, o que atrasaria o andamento dos mais de 2,5 mil processos sobre outros assuntos que tramitam na vara.
O grande número de processos ajuizados antes da decisão do STJ, principalmente no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, teria sido orquestrada, segundo afirmou em seu site a Boa Vista Serviços, por uma “verdadeira indústria do dano moral que utiliza os consumidores como matéria-prima”. Até a decisão dos ministros, havia cerca de 200 mil processos sobre o tema no país a maioria nesses Estados.
Na portaria, o juiz lembra da possibilidade de interposição de embargos ou recurso pelas partes, que deverão ser separados em lista própria. Porém, alerta que “o trâmite processual dos mesmos dar-se-á após o julgamento de todos os processos de matérias diversas conclusos a este magistrado”.
Para advogados, o método adotado pelo magistrado é equivocado. “A intenção é boa. Mas tecnicamente não foi o correto”, afirma Ricardo Maffeis Martins, do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados. “Nunca vi nada parecido. Ele deveria ter feito uma sentença modelo para aplicá-la a todos os casos idênticos.”
De acordo com Martins, a edição de uma portaria com valor de sentença gera ainda problemas processuais. “Como a turma recursal vai fazer? Vai anular a portaria para os que recorrerem e mantê-la para os que não seguirem esse caminho?”