Proteção ou monetização?
A Constituição Federal, já no artigo 1º, consagra o valor social do trabalho como fundamento da República Federativa, o que demonstra sua importância perante toda a sociedade, já que além de meio de inclusão social é também uma das formas em garantir a dignidade do ser humano.
No artigo 7º, inciso XXII, o legislador constitucional quis garantir a melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e rurais ao elencar seus direitos sociais, dentre os quais destacamos a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Para preservar a dignidade do trabalhador, deve o empregador garantir seu direito à redução de todos os riscos inerentes ao trabalho: riscos físicos, químicos, biológicos, fisiológicos ou até psíquicos.
Quis o legislador proteger a saúde e a segurança do trabalhador, com a redução ou eliminação total do agente agressor. Caso isto não seja possível, o inciso XXIII do mesmo dispositivo constitucional prevê a possibilidade de adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas. Ou seja, o pagamento de adicional de periculosidade ou insalubridade serve apenas como indenização ao dano sofrido, caso não seja possível a redução do risco causado pelo agente agressor.
No entanto, é necessário destacar que o objetivo principal da lei é evitar ao máximo a existência de riscos à saúde do trabalho.
Tanto é que, cessado o contato com o agente agressor, não é mais devido o pagamento de adicional de periculosidade ou insalubridade.
Deste modo, temos que ter em mente que a prevenção e eliminação prévia dos riscos deve ser privilegiada ao pagamento do adicional. E segundo a doutrina, existem quatro meios de prevenir riscos ambientais no trabalho: eliminação de risco, eliminação da exposição do trabalhador ao risco, isolamento do risco e proteção ao trabalhador.
A eliminação do risco é a medida mais radical e também a mais eficaz, na medida em que atua na origem, evitando qualquer possibilidade de dano ao trabalhador. Eliminar a exposição do trabalhador ao risco significa que apenas um mínimo necessário de trabalhadores estaria sujeito ao agente agressor e pelo mínimo tempo possível, já que não seria possível a eliminação total do risco.
O isolamento do risco seria a adoção de barreiras de proteção coletiva que possam vedar a propagação do agente agressor, protegendo toda a coletividade de trabalhadores de uma só vez. E por fim, a proteção individual do trabalhador é a adoção de equipamentos de proteção individual (EPI), meio que só deve ser usado quando não for possível a adoção dos meios anteriores. Isto porque é a estrutura do ambiente laboral que deve ser adaptada ao homem-trabalhador, e não o contrário.
A eliminação do risco deve ser sempre priorizada em detrimento da indenização ou monetização dos riscos do ambiente de trabalho. A Constituição Federal não quer incentivar o pagamento de adicionais de remuneração, quer sim garantir ao trabalhador um ambiente de trabalho equilibrado, salubre, livre de quaisquer agentes de risco.
Ocorre que a modificação do ambiente de trabalho é muito mais onerosa para as empresas do que o simples pagamento de adicionais de periculosidade ou insalubridade.
Para eliminação de riscos, o empregador tem que investir tempo e dinheiro na adaptação do ambiente de trabalho, na aquisição de equipamentos de proteção coletiva e no aprimoramento de seus procedimentos de trabalho a fim de evitar qualquer contato dos trabalhadores com os agentes de risco.
Outra dificuldade que a eliminação do risco encontra é a falta de conscientização dos trabalhadores, que acreditam ser beneficiados com o pagamento dos adicionais de periculosidade e insalubridade e com a possibilidade de aposentadoria precoce, ignorando os possíveis danos à sua integridade física e à sua dignidade.
Estas dificuldades só serão superadas com a educação e conscientização de trabalhadores e empregadores. Ressalte-se que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) também determina que o pagamento de adicionais de indenização pelo contato com agentes de risco deve suceder as medidas de prevenção e eliminação desses agentes. A Convenção nº 155 da OIT estabelece normas e princípios de segurança e saúde de trabalhadores no meio ambiente de trabalho, direcionadas à adaptação do meio aos trabalhadores.
Ora, qualquer análise do ambiente de trabalho deve considerar o trabalhador como parte do ambiente, pois em verdade, para se garantir um trabalho digno, o meio ambiente de trabalho deve se adaptar ao trabalhador e não o inverso.
Para efetividade das medidas de proteção à saúde do trabalhador, para a concretização da vontade maior da Constituição Federal, é imprescindível a promoção da cultura de prevenção que deve se basear no equilíbrio do ambiente de trabalho e na qualidade de vida do trabalhador.
Promover a qualidade de vida é promover a educação para a saúde e o bem-estar, é promover mudanças de práticas e hábitos, é promover a conscientização sobre a necessidade de eliminação de riscos no ambiente de trabalho. É educar trabalhadores e empregadores para que fique claro que trabalho digno e qualidade de vida são consequências de um meio ambiente de trabalho equilibrado e livre de riscos.
Nota do Editor: Aline Moreira da Costa é advogada trabalhista, mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo, pós-graduada em Direito da Seguridade Social pela Escola Paulista de Direito Social, pós-graduada em Direito Público e em Direito Processual Civil pela Universidade de Taubaté e diretora de Relações Trabalhistas da Dantas, Lee, Brock & Camargo Advogados. Shana Danielle Pereira de Menezes é advogada trabalhista, pós-graduada em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e gerente de Relações Trabalhistas na Dantas, Lee, Brock & Camargo Advogados.