O ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) foi politizado e isso fica bem claro no contexto em que os discursos anti-ESG vêm sendo proferidos e ganham uso político. E quem afirma isso é Larry Fink, CEO da BlackRock, maior gestor de fundos do mundo, com US$ 9 trilhões em ativos.
Para ele, houve uma polarização, tanto da extrema direita quanto da extrema esquerda, sobre o tema e os ataques se tornaram pessoais. Tanto que, se em 2019 tínhamos um Fink enaltecendo os critérios ESG em suas famosas cartas anuais, atualmente a postura mudou radicalmente.
Ele tem negado que a sustentabilidade tenha motivações políticas e aboliu o uso do termo ESG de seu vocabulário pelo potencial “bélico “que ganhou, conforme afirmou à agência de notícias Reuters.[1]
Na verdade, o ESG não foge de um fenômeno do nosso tempo – as narrativas de grupos que são retoricamente eficazes na produção de versões sobre a realidade de acordo com determinados interesses. A narrativa é capaz de produzir ações e versões sobre temas sociais, políticos, econômicos etc. Na construção da argumentação, a formação discursiva busca pontos factuais para legitimar estratégias retóricas e explicar uma visão de mundo.
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Nesse método discursivo e identitário, o ESG é apresentado como um movimento social – o que não é – imposto às corporações, criando conflitos ideológicos e de gestão, colocando objetivos políticos (ambientais, sociais e de governança) acima dos financeiros (lucros)
sem conseguir comprovar os impactos ambientais que causaria pelas dificuldades impostas pela falta de métricas globais e pela desconfiança que cercariam os portfólios ESG de algumas empresas sem conformidade com leis trabalhistas e ambientais.
A construção dessa narrativa busca adesão, mas não é sobre um fato concreto incontestável, e sim sobre a forma como os dados são interpretados e o significado que acabam tendo. Entender como o fato é narrado expõe o modo de um pensamento, que não contém a variabilidade da dinâmica social – que permite debates, reflexões e críticas – mas é fechado em um conjunto de crenças.
Políticos, promotores e tesoureiros republicanos nos Estados Unidos passaram a sustentar essa narrativa anti-ESG, vinculando-a a fatores dogmáticos e conotações ideológicas, distantes da realidade, mas sugerindo que os riscos ESG deveria ser combatidos de imediato com regulamentações estaduais para limitar seu uso.
As narrativas não devem ser entendidas como simples representações da realidade, mas como uma forma de intervenção. No caso específico do ESG, há algumas lacunas em torno de seus pilares e uma nova interpretação pode acabar cobrindo esses hiatos, com afirmações deslocadas da realidade, como negar a liberdade de mercado e ter motivações políticas para adotar/impor medidas sociais.
As narrativas possuem força para alterar rumos e comportamentos corporativos. Isso é facilmente comprovável, pois detendo um poderio financeiro incomparável, Fink anunciou que a BlackRock perdeu este ano cerca de R$ 4 bilhões em ativos ESG.
Na batalha das ideias, sempre em curso na sociedade, todos querem influenciar o maior público possível, sejam parlamentares, poder executivo, mídia, acadêmicos, organizações, influenciadores e comunidades em geral. Temos, na verdade, um conflito quase de cunho filosófico sobre os fins e os meios envolvendo o ESG, o mundo político e a esfera corporativa, criando situações de dilemas, reais ou construídos.
O movimento da sustentabilidade também tem uma narrativa, muito consistente, lastreada pela ciência, pelas demandas das pessoas que buscam justiça social e racial, necessidade de mais resilientes, garantia de acesso aos direitos humanos nas cadeias globais de suprimentos, vencer as desigualdades econômicas, ter compromissos com uma economia de baixo carbono e outros expressos na Agenda 2030 da ONU. Isso tudo tem a ver com negócio, embora nem todos percebam e achem que é só política.
É o caso recente da Lei 14.611/2023, sancionada no Brasil sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres, já prevista constitucionalmente e na legislação trabalhista, mas sem aplicação prática, uma vez que os salários seguem díspares entre empregos e empregadas para a mesma função, em muitas corporações.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a diferença salarial entre os gêneros no país fica em 22%. A obrigatoriedade de salários iguais ofertados a homens e mulheres está diretamente ligada ao ODS-5 (Igualdade de gênero) com vinculação ao pilar Social do ESG, mas também ao pilar da Governança, porque envolve transparência na forma como as empresas estão gerindo seus negócios e talentos.
A politização do ESG passa, portanto, por uma narrativa, que consegue reescrever suas vantagens e riscos, expor mudanças, apontando disputas que irão contribuir – ou não – para sua permanência ou transformação. O mundo está repleto de exemplos de como as ideias podem influenciar o universo corporativo à medida que determinados grupos compartilham das mesmas “crenças”.
No Texas, por exemplo, maior produtor de petróleo e gás dos Estados Unidos, a narrativa contra o ESG potencializou mudanças. O estado determinou por meio de legislações que 10 empresas e 348 fundos de investimentos não poderão mais fazer negócios com o governo estadual pelos seus compromissos sustentáveis.
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As narrativas contra o ESG têm o poder de se materializar. Neste ano, parlamentares republicanos nos Estados Unidos apresentaram quase 100 projetos de lei que restringem o incremento do ESG. No ano passado, o número de propostas legislativas era de quase 40 e já há 30 legislações anti-ESG, impedindo restrições a políticas contra combustíveis fósseis e armas de fogo.
Em vários estados, caminham investigações contra agências de risco que trabalham com métricas ESG. Agora, há uma tentativa do Partido Republicano de elaborar uma lei federal contra o ESG. O foco é que fundos fiquem centrados em lucros, sem se voltar para questões sociais, como diversidade, equidade e inclusão, crise climática, dentre outros temas.
Na Convenção do Partido Republicado de Salt Lake, o tesoureiro de Utah, Marlo Oaks, afirmou que os investimentos ESG e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU constituem parte do “plano de Satanás”. Ao colocar um elemento simbólico na narrativa, ele ajuda a dar forma negativa aos adversários e a sustentar o conflitos, distorcendo objetivos.
Para Oaks, o ESG “não resultará em soluções para desafios ambientais e sociais. Pode ajudar algumas pessoas a se sentirem melhor sobre seus investimentos, mas sua natureza coercitiva deve assustar a todos nós”.[2]
É a linguagem e as metáforas servindo para tornar as ideias anti-ESG mais persuasivas, mais plausíveis sobre determinado para a maioria dos ouvintes. Há uma roteirização para questionar novos paradigmas. Primeiro é preciso criar a polarização (nós e eles), incluir uma convincente advertência (ameaça à independência das empresas), que expressa a crença em determinada tese (politização do ESG) e terminar com a lição de moral (diante de riscos é criar leis para deter a ameaça).
No mesmo tipo de narrativa, que deixa claro quem somos nós e quem são eles, porque no momento de expor os argumentos da narrativa conseguem se diferenciar daqueles que divergem dos que adotam o ESG.
O governador da Flórida, Ron DeSantis, por exemplo, afirmou que ao criar leis anti-ESG está protegendo os moradores do estado contra esse “movimento”, que pretende incluir uma ideologia política no setor financeiro e outras “noções extravagantes de um amanhã utópico”. Dessa forma, a autoridade transforma o ESG em uma meta quimérica, fantasiosa, idealista que, portanto, poderia trazer prejuízos aos acionistas.[3]
Há muitas questões fluidas envolvendo as narrativas em torno do ESG, provavelmente não se sabe qual é o grupo maior nessa disputa, mas cabe às partes interessadas se colocarem diante das narrativas controversas envolvendo o ESG e valorizar o que é fundamental.
Se a identidade do grupo anti-ESG foi construída a partir de um conjunto de discursos, que estabeleceram a todos os que comungam das mesmas ideias, um lugar no mundo corporativo; esquece de levar em conta que os empresários ficam sujeitos ao cumprimento de uma série de leis que estabelecem direitos sociais, ambientais e de governança.
Em contraponto aos Estados Unidos, os investimentos ESG na Europa crescem, em grande parte lastreados por narrativa positiva e fortes regulamentações que impedem o greenwashing, mais presente em território norte-americano. Pesquisa do PichBook[4] afirma que os investidores americanos têm maior preocupação de que os investimentos ESG tragam resultados negativos – 42% contra 20% dos investidores europeus.
No Brasil, pesquisa deste ano da Amcham aponta que o ESG tem adesão de 82% dos executivos brasileiros e as práticas devem ser lideradas pelo C-Level das empresas.
Portanto, a despeito das narrativas e ardis históricos, seus argumentos e seus efeitos, a agenda pró-ESG se mostra estrategicamente forte para esvaziar as teses belicistas de que os critérios ambientais, sociais e de governança estão prejudicando investidores, corporações e sociedade, sendo uma resposta inconteste da esfera corporativa à construção de um mundo que ressignifique a igualdade entre todos os seres humanos, independente de seus marcadores sociais.
Em meio ao clima eleitoral antecipado de 2024 nos EUA, Filipe Glynn, em sua publicação na página The Choice[5], destaca uma tendência de esperança na crescente importância das iniciativas ESG. Mesmo diante de críticas ideológicas, o impulso para uma maior adesão aos padrões ESG é inegável.
Glynn argumenta que, ao invés de escolherem um lado político, as empresas devem alinhar seus valores com os de seus stakeholders – clientes e funcionários – reconhecendo a necessidade de estratégias ambientais claras.
Ressalta, ainda, a importância de processos internos sólidos para facilitar o diálogo entre funcionários, clientes e investidores, servindo de base para uma narrativa autêntica dos valores da empresa, especialmente em tempos desafiadores.
É importante ter em mente que as diretrizes de ESG não estão moldando apenas a paisagem empresarial futura, mas também o destino do nosso mundo. Assim, apesar da existência de resistências, o aumento da pressão exercida pelos principais stakeholders – funcionários, clientes e investidores – pode motivar as empresas a adotar práticas mais éticas e sustentáveis.
Na verdade, a questão vai além da simples decisão entre uma postura pró-ESG ou anti-ESG, é uma reflexão fundamental para a preservação da vida em nosso planeta. O ESG é mais do que uma estrutura para decisões corporativas; é um compromisso com a sobrevivência e o florescimento de todas as formas de vida na Terra.
Além das controvérsias políticas e econômicas, devemos lembrar que nosso planeta é único e insubstituível. É o berço e o sustento da vida como a conhecemos, e todos nós – incluindo empresas e governos – temos a responsabilidade de garantir sua conservação para as futuras gerações. Esta é a verdadeira essência do ESG: um investimento na sustentabilidade do nosso futuro compartilhado.
[1] Disponível em: https://www.reuters.com/business/environment/blackrocks-fink-says-hes-stopped-using-weaponised-term-esg-2023-06-26/
[2] Disponível em: https://www.marlooaks.com/stop-esg/
[3] Disponível em: https://www.flgov.com/2023/05/02/governor-ron-desantis-signs-legislation-to-protect-floridians-financial-future-economic-liberty/
[4] Disponível em: https://pitchbook.com/
[5] Escolhendo um lado nas guerras ESG: o que o debate político dos EUA significa para os negócios – The Choice by ESCP
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
FABIO RIVELLI – Advogado, sócio da LBCA, mestrando na PUC-SP e presidente da Comissão de Inovação, Gestão e Tecnologia da OAB-Guarulhos