O julgamento do Tema 210 pelo Supremo Tribunal Federal, em meados de maio de 2017, causou grande entusiasmo entre os transportadores aéreos de passageiros, bagagens e cargas, pois naquela oportunidade restou decidida a aplicabilidade da Convenção de Montreal para os contratos de transporte aéreo internacional, afastando, por sua vez, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
A despeito da clareza do julgado, pairou durante certo tempo a dúvida se a mencionada convenção se aplicaria apenas aos casos de transporte de pessoas e bagagens, ou também aos contratos de transporte de cargas, especialmente a previsão contida no artigo 22 item 3 da Convenção de Montreal, que regulamenta as hipóteses de indenização tarifada, dentre elas no transporte de cargas.
Entretanto, por meio de diversas decisões proferidas pelas turmas do Supremo, os recursos sobrestados que traziam discussões acerca do transporte internacional de cargas também foram afetados, determinando-se a aplicação do Tema 210, assim como a indenização tarifada.
Passados cerca de dois anos, ao que parece o julgamento também traz reflexos para o transporte nacional aéreo de cargas, ante uma leve alteração jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, que aplicou o artigo 262 do Código Brasileiro de Aeronáutica, que dita as hipóteses de indenizações tarifadas.
No mesmo sentido caminha o Tribunal de Justiça de São Paulo, que em recente decisão fixou indenização tarifada ante a ausência de declaração de valores no conhecimento de embarque, atraindo assim a aplicação do Código Brasileiro de Aeronáutica.
Por unanimidade, os desembargadores entenderam pela aplicabilidade do Código Civil e do Código Brasileiro de Aeronáutica, atraindo assim a aplicação da indenização tarifada pela ausência de declaração de valores. O relator, desembargador Ricardo Pessoa de Mello Belli, da 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ressaltou a importância da declaração de valores no transporte aéreo de cargas:
“Tal declaração é de fundamental importância, tanto que interfere decisivamente na fixação da remuneração pelo serviço de transporte, haja vista, aliás, que o dado serve para o transportador aquilatar o risco que assume em função do negócio”.
Ambas as decisões provavelmente servirão para uma possível alteração de posicionamentos jurisprudenciais nos tribunais, mitigando assim a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos casos em que a relação dos contratantes for tipicamente de contrato empresarial.
Resta ainda saber se diante do que preconiza o artigo 732 do Código Civil, bem como em atenção ao princípio da especialidade, a aplicação do Código do Consumidor também será utilizada de forma temperada com o Código Brasileiro de Aeronáutica e a Convenção de Montreal, até pelo que prevê o artigo 7º do próprio Código de Defesa do Consumidor.
Não restam dúvidas de que os transportadores aéreos que operam no Brasil, no transporte de cargas nacional e internacional, recebam com bons olhos a mencionada alteração jurisprudencial, que de certa forma traz mais segurança jurídica do ponto de vista contratual em relação ao contrato de transporte de cargas.
A aplicação harmoniosa do Código Brasileiro de Aeronáutica, da Convenção de Montreal, do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor pela jurisprudência prestigiou de forma salutar o princípio da segurança jurídica, tendo em vista que, por vezes, a multiplicidade de diplomas legais sendo aplicados em descompasso com os princípios basilares do Direito reflete grave violação dos direitos dos jurisdicionados, seja ele uma empresa ou consumidor.
*Ronaldo Cavalcanti é advogado e gerente da área de contencioso cível estratégico do Lee, Brock, Camargos Advogados (LBCA).