A American Bar Association (ABA)1, a Ordem dos Advogados norte-americana, tem realizado um debate intenso sobre a influência a Inteligência Artificial (IA) sobre a advocacia e a prestação dos serviços jurídicos, buscando projetar um possível futuro para a profissão.
A ABA analisa o uso ampliado dessa nova tecnologia e as questões éticas envolvendo soluções de Inteligência Artificial (IA), principalmente diante do barateamento do custo de armazenamento de dados, que caiu de US$ 12,4 por GB para US$ 0,004 por GB, tornando-se, portanto, mais acessível. Uma pesquisa da Zion Market Research aponta que o mercado global de IA jurídica crescerá 35,9% até 2026 e estamos falando de bilhões de dólares.
A pesquisa jurídica e de gestão de processos foram os primeiros e mais intensos usos da tecnologia de IA na rotina do advogado, porque se tornaram mais abrangentes, rápidos e precisos do que os realizados por advogados ou bacharéis.
Também já está disponível no mercado uma série de softwares que pesquisam jurisprudências e legislações específicas, sugerindo medidas judiciais e ajudando na redação de peças jurídicas para obter resultados positivos nos tribunais. A tecnologia de IA ainda pode fazer uma análise preditiva, ao avaliar as decisões que determinado magistrado tomou ao longo do exercício profissional, dando o percentual dele decidir sobre determinada forma.
Qual o futuro dos advogados frente à IA, segundo a ABA? De acordo com a Ordem americana, há 4 funções que a IA não pode oferecer: julgamento, empatia, criatividade e adaptabilidade.
Em nível mais reduzido, os advogados já exercem essas habilidades (skills), mas somente a primeira têm relação direta com que se aprende nos cursos jurídicos tradicionais. Essas habilidades expõem o nível de mudança que a advocacia deve sofrer nos próximos anos e décadas.
Até o momento, as habilidades técnicas eram fundamentais para uma profissão, agora as habilidades sociais vêm ganhando primazia porque as relações interpessoais são fundamentais no mundo corporativo. A empatia, por exemplo, é a capacidade de compreender e compartilhar a perspectiva de outra pessoa, se colocar no lugar dela, e indicar que ela foi compreendida e acolhida.
Em parte, o advogado já cultiva essa habilidade de forma intuitiva porque ele já escuta o cliente e compartilha seu problema, seu conflito, sem julgamentos. Há uma preocupação legítima em resolver determinado problema, sendo capaz de comunicar seu comprometimento ao outro, com percepção e sensibilidade.
A tecnologia tem levado os advogados a cultivaram a criatividade, que podemos conceituar como sendo o primeiro estágio de um processo de solução. A etimologia da palavra deriva do grego krainein, que significa realizar.
Pode ser explicada também como a possibilidade de fomentar novas ideias, experimentação, ser fonte de soluções, enfim se tornou um valor para o mundo corporativo como um todo, que teria segundo Rossmann (1931) uma sequência de sete estágios – observação do problema ou oportunidade, análise, busca das informações, formulação de possíveis soluções, vantagens e desvantagens, a nova ideia e experimentação.2
A outra soft skill que o novo advogado precisará desenvolver é a adaptabilidade, ou seja, a possibilidade de saber lidar com situações novas e adversas e demonstrar flexibilidade para enfrentar as mudanças e abrir novas oportunidades. Tornou-se fundamental cultivar a autoconfiança para vencer as mudanças do mercado e da profissão.
Diante do vácuo tecnológico na maioria dos currículos dos cursos jurídicos, o treinamento dos novos profissionais terá de ser propiciado pelos escritórios de advocacia. Atualmente, a American Bar Association está incluindo o dever de competência tecnológica e dever ético diante do uso de soluções de IA como essenciais às novas gerações de profissionais.
A ABA coloca uma questão ética fundamental para o advogado diante do cliente à medida que deve ter expertise suficiente para entender o uso, riscos e explicar ao cliente a aplicação da solução de IA em seu processo. O advogado também terá de responder a autoridades reguladoras, que observarão se estão sendo estabelecidos padrões de conformidade para todos os provedores de serviços jurídicos que utilizem IA.
Esse tema ainda é insípido no Brasil e a ABA aponta que vem acontecendo várias joint ventures entre escritórios de advocacia e provedores de solução de IA.
Nesse sentido a entidade americana faz um alerta porque teme que, no futuro, os serviços jurídicos não sejam mais prestados por advogados, porque todos querem soluções eficientes, rápidas e a baixo custo, fazendo crescer a pressão sobre os escritórios de advocacia e seu modelo de atuação profissional.
1 Disponível aqui.
2 Disponível em ROSSMANN, J. The psychology of the inventor. Washington, DC: Inventor’s Publishing,1931.