O Projeto de Lei nº 2.796, de 2021, emerge como um marco legal para a indústria de jogos eletrônicos no Brasil, sinalizando um novo horizonte para o setor. Ao delinear um conjunto de diretrizes e princípios para o desenvolvimento, a comercialização e o uso de jogos eletrônicos, o projeto visa a estabelecer uma base sólida para o crescimento econômico, inovação tecnológica e proteção dos consumidores.
Assim sendo, torna-se fundamental explorar as interseções do projeto com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), destacando experiências regulatórias no exterior, os impactos e as oportunidades geradas por essa legislação emergente.
O princípio da proteção ao consumidor, consagrado no CDC, encontra um novo campo de aplicação no contexto dos jogos eletrônicos, especialmente no que tange à classificação etária e às microtransações. O projeto de lei prevê a implementação de classificações etárias indicativas, um mecanismo essencial para proteger os usuários mais jovens de conteúdos inapropriados.
Além disso, ao considerar os riscos associados às microtransações, o projeto alinha-se ao CDC ao garantir que os consumidores estejam devidamente informados sobre as transações que realizam, fomentando uma indústria mais responsável e transparente.
Um exemplo notável de abordagem a esta problemática pode ser observado na União Europeia (UE), onde a regulamentação de jogos eletrônicos e práticas de consumo digital é mais rigorosa. A diretiva de serviços de mídia audiovisual da UE, por exemplo, impõe obrigações específicas para os fornecedores de conteúdo, incluindo jogos eletrônicos, especialmente no que diz respeito à proteção dos menores de idade.
Além disso, a UE tem sido proativa no diálogo com desenvolvedores de jogos para assegurar que práticas como as loot boxes — caixas de itens compradas com dinheiro real sem garantia de conteúdo valoroso — sejam transparentes e justas, visando a proteger os consumidores contra modelos de negócio potencialmente predatórios dos desenvolvedores destes jogos.
Um caso emblemático é o da Bélgica que, após uma investigação em 2018, classificou as loot boxes como jogo de azar, proibindo-as nos jogos eletrônicos. Esta decisão foi baseada na constatação de que tais práticas podem ser prejudiciais e levar ao vício em jogos, especialmente em jovens jogadores. A medida reflete uma abordagem mais estrita à regulamentação dos jogos eletrônicos, focando na prevenção de potenciais danos associados a mecânicas de jogo consideradas problemáticas.
No contexto brasileiro, a inserção de uma regulamentação específica para as microtransações e práticas similares dentro do PL 2.796 é um passo positivo, alinhando o país com tendências globais de proteção ao consumidor. No entanto, a responsabilização deve ser estrita aos desenvolvedores de jogos em razão do benefício direto que possuem nesta proposição de negócio sem que se envolvam terceiros tais como as lojas de aplicativos que oferecem estes jogos, mas que não têm qualquer relação direta com as loot boxes.
No entanto, é crucial que a regulamentação seja desenvolvida de maneira a não sufocar a inovação ou restringir desnecessariamente a criatividade dos desenvolvedores. A chave está em encontrar um meio-termo que permita o desenvolvimento saudável da indústria de jogos eletrônicos, ao mesmo tempo em que protege os consumidores de práticas potencialmente exploratórias.
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A convergência com o Marco Civil da Internet se evidencia na promoção da diversidade cultural e na defesa dos direitos fundamentais online. Os jogos eletrônicos, enquanto obras audiovisuais interativas, constituem-se também como plataformas de expressão e interação social, implicando a necessidade de salvaguardar a liberdade de expressão, a privacidade e a proteção de dados pessoais dos usuários. Nesse sentido, o projeto de lei complementa o Marco Civil ao estabelecer diretrizes que incentivam um ambiente digital seguro, inclusivo e democrático para os jogadores.
A LGPD é outro pilar fundamental que se entrelaça com o projeto de lei, especialmente no que concerne à coleta, ao uso e à proteção de dados pessoais dos usuários. Os jogos eletrônicos frequentemente coletam uma vasta quantidade de dados, desde informações básicas de cadastro até padrões de comportamento de jogo. O projeto de lei, ao reconhecer a importância da proteção de dados e da privacidade, reflete os princípios da LGPD, estabelecendo um marco para que as empresas desenvolvedoras adotem práticas de coleta e processamento de dados transparentes, seguras e consentidas.
Além da conformidade com as legislações vigentes, o projeto de lei também representa uma oportunidade para impulsionar o desenvolvimento econômico e tecnológico.
Ao estabelecer incentivos para a inovação e o empreendedorismo no setor de jogos eletrônicos, como o enquadramento de empresas desenvolvedoras em regimes tributários favorecidos e o apoio à formação de recursos humanos especializados, o projeto pode catalisar o surgimento de novas empresas, produtos e serviços, contribuindo para a diversificação e a competitividade da economia digital brasileira, conforme oportunidades abaixo:
Abertura de Oportunidades
- Fomento à inovação e ao empreendedorismo: Ao estabelecer princípios e diretrizes para a utilização e desenvolvimento de jogos eletrônicos, o projeto reconhece o potencial de desenvolvimento econômico, social, ambiental e cultural do empreendedorismo inovador neste segmento. A inclusão de medidas de fomento ao ambiente de negócios e ao capital de investimento pode catalisar o surgimento de novas startups e incentivar investimentos tanto nacionais quanto estrangeiros.
- Classificação etária e proteção ao consumidor: A proposta de classificação etária indicativa, considerando os riscos relacionados ao uso de mecanismos de microtransações, é um passo importante para proteger os consumidores, especialmente crianças e adolescentes. Isso pode contribuir para um ambiente digital mais seguro e responsável.
- Apoio à formação e desenvolvimento de talentos: O apoio à formação de recursos humanos para a indústria de jogos eletrônicos é essencial para o desenvolvimento do setor. A criação de cursos especializados e a facilitação do acesso à educação e treinamento profissional podem preparar uma força de trabalho qualificada para atender às demandas crescentes do mercado.
- Estímulo à pesquisa, desenvolvimento e inovação: Considerar o desenvolvimento de jogos eletrônicos como elegível para fomento em inovação e cultura abre portas para a aplicação de recursos financeiros em projetos que possam contribuir significativamente para o avanço tecnológico e criativo do País.
Desafios críticos
- Regulação versus inovação: Enquanto o marco legal busca regulamentar o setor de jogos eletrônicos, é crucial garantir que as medidas regulatórias não restrinjam a liberdade criativa ou inibam a inovação. O equilíbrio entre regulamentação e incentivo à inovação é delicado e requer atenção contínua para evitar a burocratização excessiva.
- Implementação de classificação etária: A execução efetiva de um sistema de classificação etária que considere os riscos das microtransações representa um desafio técnico e logístico. Será necessário desenvolver mecanismos robustos e acessíveis para avaliar e classificar uma ampla variedade de conteúdos de jogos.
- Acessibilidade e diversidade: Garantir a acessibilidade e promover a diversidade dentro dos jogos e na indústria é fundamental. O projeto de lei menciona a promoção da diversidade, mas são necessárias ações concretas e programas específicos para enfrentar desigualdades e promover a inclusão de maneira eficaz.
- Proteção de dados e privacidade: A crescente preocupação com a proteção de dados pessoais e a privacidade nos jogos eletrônicos exige uma abordagem cuidadosa. As empresas desenvolvedoras deverão adotar práticas transparentes e seguras de coleta, uso e armazenamento de dados, em consonância com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
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Por fim, o Projeto de Lei nº 2.796 de 2021 destaca-se como uma legislação inovadora que busca harmonizar os interesses de consumidores, empresas e sociedade em geral no contexto dos jogos eletrônicos. Ao dialogar com o CDC, o Marco Civil da Internet e a LGPD, o projeto não apenas reforça a proteção dos direitos dos usuários, mas também abre caminho para o crescimento sustentável da indústria de jogos eletrônicos no Brasil. Resta agora acompanhar a implementação e os efeitos práticos dessa legislação, que têm o potencial de moldar positivamente o futuro do entretenimento digital no país.