As eleições brasileiras do ano passado, assim como as eleições que elegeram o primeiro-ministro Indiano Narendra Modi em maio de 2019 (1), demonstraram o potencial que as mídias sociais e a internet têm para influenciar o resultado de uma eleição, a exemplo do que aconteceu nas últimas eleições norte-americanas (2).
Seria ingenuidade, portanto, acreditar que as transformações ocasionadas pela rede mundial de computadores também não chegariam à propaganda eleitoral. No Brasil, a Lei 13.488/2017 trouxe importantes mudanças relativas ao uso da internet para fins de propaganda eleitoral. O impulsionamento digital tende a se intensificar a partir do próximo ano durante as eleições regionais.
As propagandas eleitorais (3) são historicamente conhecidas pelos “horários eleitorais gratuitos” na TV e rádio, pelas panfletagens, anúncios em jornais, comícios. Atualmente, contudo, a internet é “maior campo” a ser explorado. O Artigo 57-C da Lei n.º 9.504/1997 (“Lei Eleitoral”) vedava qualquer forma de propaganda eleitoral paga na Internet. Com a nova redação permitiu-se a propaganda paga na web na forma de impulsionamento de conteúdo, aumentando a exposição dos candidatos e o alcance do conteúdo nas mídias sociais.
Para manter o controle das contas de campanha e a equidade econômica das eleições, a possibilidade de impulsionamento de conteúdo eleitoral ficou restrita às campanhas oficiais. Além disso, a existência da prática de impulsionamento de conteúdos deve restar clara para o eleitor. Por outro lado, a nova redação da Lei Eleitoral passa a incluir os custos contratados com o impulsionamento de conteúdos dentre os gastos eleitorais sujeitos a registro e aos limites legais. Neste sentido, a campanha é obrigada a declarar à Justiça Eleitoral quais os endereços eletrônicos das aplicações utilizadas na propaganda na internet.
A contratação deve ser feita, obrigatoriamente, pela campanha ou seus responsáveis e diretamente junto ao provedor responsável pelo impulsionamento. Ademais, poderão ser contratados apenas os provedores de aplicação com sede e foro no Brasil, ou com filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no país.
Isso significa que o conteúdo publicado oficialmente como propaganda eleitoral pode receber investimento para ampliar o seu alcance, mediante a contratação deste serviço junto às plataformas de mídias sociais. Além das formas tradicionais de impulsionamento, a Lei Eleitoral reconhece, no §2.º do Artigo 26, que o pagamento feito a ferramentas de busca para ter prioridade nos resultados é considerado impulsionamento. Assim, a compra de palavras-chave nos buscadores passa a ser permitida durante a campanha, desde que respeitados os demais dispositivos legais.
Na mesma linha das demais formas de propaganda, o §5.º do Artigo 39 passam a incluir dentre os crimes eleitorais a publicidade online inserida ou o seu impulsionamento na data da eleição. No entanto, podem permanecer online as aplicações e os conteúdos já existentes antes dessa data.
A reforma incluiu três importantes dispositivos para favorecer a lealdade dentre as campanhas eleitorais. O primeiro deles é a vedação dos chamados “fakes”, ao proibir a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral por meio de cadastro em serviços online com a intenção de falsear identidade. O outro é a restrição do impulsionamento de conteúdos eleitorais às ferramentas disponibilizadas pelos provedores de aplicação diretamente contratados. Com isso, é vedado o uso de outros dispositivos ou programas, tais como robôs, notoriamente conhecidos por distorcer a repercussão de conteúdo.
Por último, a Lei Eleitoral estabelece que o uso do recurso de impulsionamento somente pode ser utilizado com a finalidade de promoção ou benefício dos próprios candidatos ou suas agremiações. Na prática, fica proibido, portanto, o uso de impulsionamento para campanhas denegritórias ou desconstrutivas. Os provedores de aplicações na internet que disponibilizarem impulsionamento pago de conteúdo ficam obrigados a ter um canal de comunicação com seus usuários.
Por outro lado, a responsabilidade por danos causados pelo conteúdo impulsionado somente pode ser atribuída aos provedores se deixarem de tornar indisponível conteúdo que tenha sido apontado como infringente pela Justiça Eleitoral no prazo por ela determinado, respeitados os limites técnicos do serviço.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já deu início às discussões a respeito das regras que valerão para as eleições municipais de 2020 (4). Além do problema das candidaturas “laranja” e o fundo de financiamento de campanha, a questão do uso da internet e das mídias sociais são pauta obrigatória.
Há grande probabilidade de crescimento dos litígios envolvendo propaganda eleitoral paga na internet às próximas eleições. Situações novas também devem ser pacificadas pelos Tribunais Superiores.
As eleições 2018 foram o “primeiro balão de ensaio” de um processo que tende a ser irreversível, pois a internet veio para ficar e o regime democrático brasileiro prevê eleições nacionais e regionais a cada 2 (dois) anos, respectivamente. Portanto, Candidatos, Partidos Políticos, Poder Judiciário, Provedores e Pesquisadores têm um campo aberto e novo à discussão para as próximas eleições, seja para inovação ou mesmo regulamentação.
(1) Informação disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2019/Abril/ministro-roberto-barroso-iniciara-estudos-sobre-normas-das-eleicoes-municipais-de-2020. Acesso em 28/5/2019.
(2) Informação disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-43705839. Acesso em 28/05/2019.
(3) Propagandas eleitorais reguladas pelas Leis n.º 9.504/199 e 11.300/2006, bem como pelas Resoluções do TSE n.º 23.367/2011, n.º 23.370/2011 e nº 23.377/2012.
(4) Vide julgamento dos AREsp(s) 0605327-15.2018.6.26.0000 e 0605310-76.2018.6.26.0000 pendentes de julgamento pelo TSE, sobre a legalidade de campanha publicitária divulgada mediante a contratação de nome de candidato concorrente, como termo de impulsionamento junto à ferramenta de pesquisa, para divulgação de anúncio eleitoral patrocinado.
*Caio Miachon Tenório é advogado, sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA) e autor do Manual de Tutela à Privacidade na Internet: Medidas Protetivas e Responsabilidade; Thays Bertoncini Da Silva é advogada, sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA) e especialista em direito digital e direito das plataformas digitais pela FGV