A decisão unânime da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmou a decisão do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu o funcionamento do X no Brasil, torna mais difícil uma reativação da rede social pela Corte. Pelo regimento interno, um eventual recurso seria julgado não pelo plenário, composto por todos os 11 ministros do STF, mas pelo próprio colegiado – formado por Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Nesta segunda-feira (2), todos os membros desse colegiado ratificaram a decisão de Moraes, da semana passada, que cortou o acesso de aproximadamente 20 milhões de usuários brasileiros ao X, além de impor multa diária de R$ 50 mil em caso de desobediência. O principal argumento do ministro, acompanhado pelos colegas, foi o descumprimento de decisões anteriores que impunham o bloqueio de perfis, o não pagamento das multas em razão disso e a falta de representação legal no país.
Moraes ressalvou que, se essas condições forem atendidas pelo X, a rede voltaria a operar. Mas interpara impedir que seus executivos fossem presos, como também cogitou Moraes em outra decisão.
Na decisão de Moraes, referendada pela Primeira Turma, a principal questão foi a autoridade do STF para interpretar e aplicar a lei – no caso, o Marco Civil da Internet – sobre o funcionamento das redes sociais. Quase todos disseram que empresas estrangeiras devem se submeter à jurisdição nacional, que fiscaliza suas operações no país – algo que dificilmente poderia ser contestado por qualquer ministro do STF, inclusive os demais, no plenário.
“Como qualquer entidade privada que exerça sua atividade econômica no território nacional, os provedores de internet devem respeitar e cumprir, de forma efetiva, comandos diretos emitidos pelo Poder Judiciário relativos a fatos ocorridos ou com seus efeitos perenes dentro do território nacional; cabendo-lhe, se entender necessário, demonstrar seu inconformismo mediante os recursos permitidos pela legislação brasileira”, escreveu Moraes em sua decisão.
“Não é possível a uma empresa atuar no território de um país e pretender impor a sua visão sobre quais regras devem ser válidas ou aplicadas […] As pessoas naturais e jurídicas têm pleno acesso a um vasto sistema de recursos e instrumentos de impugnação das decisões do Judiciário. Mas a ninguém é dado obstruir a Justiça ou escolher, por critérios de conveniência pessoal, quais determinações judiciais irá cumprir”, escreveu Flávio Dino em seu voto.
Na mesma linha se manifestou Cristiano Zanin em seu voto. “O reiterado descumprimento de decisões do Supremo Tribunal Federal é extremamente grave para qualquer cidadão ou pessoa jurídica pública ou privada. Ninguém pode pretender desenvolver suas atividades no Brasil sem observar as leis e a Constituição Federal”.
“O Poder Judiciário é um sistema de órgãos da soberania nacional para a guarda do sistema jurídico adotado e há de ter sua decisão acatada, respeitada e legitimada. Seu questionamento há de se dar na forma da legislação processual, não segundo os humores e voluntarismos de quem quer que seja, nacional ou estrangeiro”, escreveu Cármen Lúcia.
“Ordem judicial pode ser passível de recurso, mas não de desataviado desprezo. O acatamento de comandos do Judiciário é um requisito essencial de civilidade e condição de possibilidade de um Estado de Direito”, escreveu o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Recurso ao plenário depende de Moraes
Recursos contra as decisões criminais das turmas do STF, conforme o regimento interno, são julgados pelo próprio colegiado. Mas nada impede que a parte atingida peça ao relator para que a apelação seja levada ao plenário para deliberação. No caso da suspensão do X, caberia, portanto, ao próprio Moraes decidir se a questão deveria ser decidida por todos os ministros.
Um eventual julgamento pelo plenário do STF abriria mais chances de divergência, especialmente por parte de André Mendonça e Kassio Nunes Marques. Indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), eles são os ministros que, até hoje, mais divergiram de Moraes em seus inquéritos. Nesses julgamentos, ambos acabaram vencidos pela maioria, mas, ao argumentarem contra algumas decisões de Moraes, expuseram fragilidades na fundamentação do colega.
“Eu entendo que seria razoável, sim, levar a questão a plenário em função do princípio da colegialidade. Seria muito interessante ter a visão dos outros ministros, porque é uma decisão que está suscitando uma série de controvérsias e posições divergentes”, diz o advogado Marco Sabino, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, de Portugal.
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Outra possibilidade de a questão ser analisada pelo plenário do STF surgiu nesta segunda-feira (2), com a apresentação, pelo Partido Novo, de uma nova ação contra o bloqueio do X. A legenda protocolou no STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), na qual a constitucionalidade da decisão de Moraes é questionada.
Na ação, o Novo argumenta que a suspensão da rede social fere direitos fundamentais de milhões de pessoas sem qualquer relação com o problema que gerou o bloqueio – a manutenção de alguns perfis pelo X. Caberá ao ministro relator escolhido analisar um pedido de liminar para suspender a decisão de Moraes – algo difícil, uma vez que é tabu qualquer ministro, individualmente, derrubar a decisão de outro numa ação diferente. Esse relator também pode levar a questão diretamente ao plenário – uma opção mais razoável e já realizada outras vezes.
Ao contrário de recursos em processos criminais, ADPFs são julgadas no plenário por envolverem questões constitucionais – no caso, o direito à liberdade de expressão e ao devido processo legal, além do princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e razoabilidade do bloqueio geral do X para forçar a suspensão de perfis específicos).
Cidadãos e empresas atingidos pelo bloqueio também podem recorrer
Alguns especialistas entendem que terceiros prejudicados pela decisão – cidadãos e empresas que postam e anunciam no X – poderiam ingressar com recursos ou ações à parte para retomar seus acessos à plataforma.
“No caso de cidadãos, empresas que usam e anunciam na rede, e que não fazem parte do processo, essas pessoas poderiam também interpor recurso como terceiro prejudicado ou mesmo mandado de segurança, argumentando que foram prejudicadas pela decisão judicial, e que por tal razão, tem legitimidade para questioná-la”, diz Caio Miachon Tenorio, advogado e sócio no escritório Lee, Brock & Camargo, e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Ele se baseia no artigo 996 do Código de Processo Civil, segundo o qual “o recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica”; e também na Súmula 202 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conjunto de decisões que permite que um terceiro prejudicado apresente mandado de segurança para impedir lesão a direito seu, líquido e certo, provocada por decisão judicial, mesmo quando seja essa passível de recurso pela parte diretamente atingida.
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Em tese, o próprio Alexandre de Moraes poderia reconsiderar sua decisão. Mas o ministro deixou claro que poderia reativar o X somente se suas três determinações fossem cumpridas pela empresa: pagamento total das multas (calculadas em R$ 18,3 milhões); bloqueio dos perfis vetados (dos jornalistas Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio e Sandra Eustáquio, da adolescente Mariana Eustáquio, do influenciador Ed Raposo e do senador Marcos do Val); além da indicação de representante legal da empresa no Brasil que viabilize o atendimento às determinações judiciais.
Ivar Hartmann, professor no Insper e doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), diz acreditar que uma maioria de ministros estaria disposta a revogar a suspensão da plataforma se um advogado fosse nomeado para representar a empresa. “Não tenho tanta certeza em relação ao próprio Ministro Alexandre de Moraes”, ressalva ele.
Quanto à possibilidade de apresentação de recursos por terceiros, ele observa que o ministro já demonstrou ser pouco receptivo à petições de outras partes não formalmente envolvidas no processo. “Mas eu acredito que o STF deveria admitir as manifestações”, afirma.