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Recuperação judicial: Limitações ao uso de prejuízos fiscais para quitar débitos tributários

Recuperação Judicial: limitações ao uso de prejuízos fiscais para quitar debitos tributários

A transação como modalidade de extinção do crédito tributário encontra previsão em nossa legislação desde 1966, notadamente nos arts. 156, 171 e parágrafo único do Código Tributário Nacional (CTN)¹. Não obstante, por décadas, o instituto restou inaplicável, objeto tão somente de discussões teóricas sob o manto da indisponibilidade dos interesses públicos e, principalmente, pela inexistência de parâmetros legais mínimos para que os agentes públicos pudessem implementá-lo na prática, inclusive, na ausência de competência legal para tanto.

Em passado recente, finalmente, foi editada lei que instituiu os requisitos e condições para a realização da transação, prevista com relação a créditos tributários e não tributários da Fazenda Pública Federal: a lei 13.988/20. Outras legislações surgiram a reboque, com inspiração na legislação federal, a regulamentar a transação com relação a créditos de outros entes públicos (e.g., Estados e Municípios).

Não obstante, fiquemos, apenas com a previsão da legislação federal e somente no que concerne a débitos tributários. Nesta, a competência para a implementação da transação tributária foi conferida à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a transação foi essencialmente moldada pela possibilidade de concessão de descontos sobre os débitos inscritos em dívida ativa, sobretudo, no que tange a multas e juros, bem como permissão de pagamento do saldo em parcelas escalonadas, além da concessão de moratórias. A ênfase foi dada a créditos da Fazenda Pública considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

Uma vez iniciada a efetiva implementação da transação tributária em nosso sistema jurídico na prática – ainda que após mais de 50 anos de sua previsão abstrata no Código Tributário Nacional, a legislação, regulamentação e implementação tomaram impulso definitivo, tanto que a PGFN entende ter consolidado “a transação tributária como principal instrumento de regularização tributária do contribuinte brasileiro”, tendo alcançado “volume de mais de R$ 200 bilhões em dívidas regularizadas até o final de 2021”².

Entre os créditos considerados como irrecuperáveis, por presunção, restaram reconhecidos aqueles de empresas em recuperação judicial. E em função desta característica – irrecuperabilidade – as regras para transação relativa a estes créditos são aquelas passíveis da concessão dos maiores descontos e da disponibilização dos maiores prazos para pagamento. Este então é o segundo recorte deste texto: a ênfase em empresas em recuperação judicial. Desde que regulamentada a hipótese, inúmeras empresas em recuperação judicial já assinaram acordos de transação tributária com a PGFN.

Aliás, a ênfase dada a empresas em recuperação judicial faz todo o sentido, não só em função da intenção da Fazenda Nacional de diminuir o estoque de créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, mas também sob a ótica da recuperação da empresa. Isto, porque, uma das alterações promovidas pela lei 14.112/20 à Lei de Falência e Recuperação Judicial (lei 11.101/05) foi justamente o de enfraquecer a jurisprudência até então dominante de que não era imprescindível a apresentação das certidões negativas fiscais para o deferimento e prosseguimento do processo de recuperação judicial ou, por outro giro, a demonstração do plano de estruturação do passivo fiscal da empresa adquiriu maior relevância também para os fins do processo de recuperação judicial após a lei 14.112/20.

Mais recentemente, a lei 14.375/22 ampliou os benefícios possíveis de serem concedidos por meio de transação para incluir no rol art. 11 da lei 13.988/20 a possibilidade de quitação de débitos tributários com a utilização de créditos sobre prejuízos fiscais e base de cálculo negativa. Não obstante, a primeira regulamentação do dispositivo efetuada pelo PGFN relegou a concessão desta possibilidade à excepcionalidade (portaria 6.757/22) e à discricionariedade da PGFN.

Sobreveio, então, a Portaria PGFN 8.798, de 04 de outubro de 2022 que instituiu o Programa de Quitação Antecipada de Transações e Inscrições da Dívida Ativa da União da Procuradoria da Fazenda Nacional (QuitaPGFN), ampliando, em alguma medida as hipóteses de utilização de créditos de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa.

No que concerne a empresas em recuperação judicial, mediante adesão no programa, será possível (i) liquidar parcialmente o saldo das transações anteriormente celebradas com a PGFN, (ii) liquidar parcialmente débitos inscritos em dívida ativa da União; ou (iii) celebrar transação específica com previsão de obtenção de descontos, parcelamento, e quitação parcial dos débitos com a utilização de prejuízos fiscais, tudo conforme regulamentado na portaria 8.789/22. A quitação integral dos débitos com a utilização de prejuízos fiscais encontra vedação legal no art. 15, inciso IV da Lei de Falência e Recuperação Judicial que limita esta utilização ao máximo de 70%.

Mas, o que a princípio pode parecer uma ótima oportunidade, em algumas situações não conseguirá ser aproveitado pelas empresas em recuperação judicial.

Ocorre que na Portaria 8.789 não há previsão de quitação “parcial” dos saldos remanescentes da transação anteriormente celebrada com a utilização de prejuízos fiscais, mas tão somente da quitação total desses saldos.

E, aliado a isto, a Portaria 8.789 concedeu o parcelamento de 30% do saldo devedor da transação a ser pago em dinheiro em dinheiro ao máximo de 12 parcelas mensais.

Assim, a depender do montante transacionado e do saldo de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa de CSSL, a empresa em recuperação judicial poderá não conseguir utilizar-se dos respectivos créditos para quitar os débitos, tendo em vista que a exigência de recolhimento de 30% do saldo em 12 meses pode gerar parcelas de valor muito superior ao parcelamento obtido no termo de transação (até 120 meses), sem a utilização de prejuízos fiscais.

A utilização de prejuízos fiscais para quitação de débitos incluídos em termo de quitação anterior, condiciona-se ainda à regularidade dos pagamentos da transação – o que também restringe, de alguma forma, a utilização do benefício por empresas em recuperação judicial.

Da mesma forma, a empresa que requereu recuperação judicial, a depender dos mesmos fatores, pode ser, em função de sua condição financeira, obrigada a optar por modalidade de transação sem utilização de créditos de prejuízo fiscal e base negativa de CSSL com parcelamentos mais extensos, ao invés daquele com utilização dos créditos, mas com parcelamento do saldo de 30% em no máximo 12 meses.

Assim, sob pena de manter como excepcionalíssima a utilização dos créditos decorrentes de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa de CSSL pelas empresas em recuperação judicial, sobretudo as que tenham passivo tributário mais relevantes, idealmente deveria a regulamentação da PGFN (i) permitir a amortização das parcelas do termo de transação original com a utilização dos créditos; (ii) permitir que o recolhimento em dinheiro do percentual mínimo de 30% do saldo seja feito em tantas parcelas quanto forem as remanescentes do termo de transação anteriormente celebrado; e (iii) permitir, inclusive, a quitação de parcelas em atraso com os créditos ou seja, que eventuais situações irregulares pudessem ser regularizadas com a utilização dos créditos em questão.

A evolução da regulamentação no sentido sugerido acima estaria de acordo não só com os fundamentos econômicos que ditam a recuperação judicial, qual seja a manutenção da empresa, empregos e atividade econômica, como também com a finalidade última de quitação de passivos irrecuperáveis e de difícil recuperação, com a economia de recursos que, de outra forma, seriam destinados à manutenção da cobrança judicial destes créditos. De qualquer forma a hipótese de utilização de prejuízos fiscais prevista na Portaria 8.789, a princípio não exclui a possiblidade de que a PGFN autorize a utilização conforme previsão na Portaria 6.757/22. Há neste sentido, inclusive previsão expressa de que exaurido o prazo de adesão previsto na primeira, a utilização será aquela prevista na segunda (art. 2º, parágrafo 2º da Portaria 8.789).


1 “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: […] III – a transação.”

“Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.”

2 Relatório PGFN em números 2022 – Dados de 2021 – disponível em https://www.gov.br/pgfn/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/pgfn-em-numeros/pgfn_em_numeros25042022-compressed.pdf, consulta em 13/10/2022

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